Jovem denunciada por médico após aborto pode ir a júri popular; defesa alega que profissional não seguiu Código de Ética

Uma jovem de 23 anos pode ir a júri popular após ter sido denunciada por um médico ao confessar que realizou um aborto.

defesa alega que o médico não seguiu o Código de Ética do pelo Conselho Federal de Medicina, no que diz respeito à preservação do sigilo profissional na relação entre médico e paciente.

O caso aconteceu em outubro de 2020, quando ela deu entrada na Santa Casa de Misericórdia de Araguari, no Triângulo Mineiro, após sofrer complicações por conta do procedimento realizado em casa.

O processo corre em segredo de Justiça, mas os advogados da jovem deram detalhes ao g1Alberto Zacharias Toron e Luiza Oliver contaram que ainda na sala de urgência e emergência do hospital, a cliente foi interrogada, algemada e mantida sob escolta da Polícia Militar (PM) durante os três dias em que ficou internada.

Ela não teve a prisão em flagrante ratificada e está em liberdade. Após o ocorrido, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) moveu uma ação em que pede que ela seja presa pelos crimes de homicídio duplamente qualificado, tentativa de aborto e ocultação de cadáver.

A reportagem entrou em contato com o MP e aguarda resposta. Também foi feito contato com a Santa Casa de Araguari , mas não houve retorno.

Atendimento e confissão

Segundo os advogados da jovem, no dia 2 de outubro de 2020, ela foi levada para a policlínica de uma cidade do interior de MG com um quadro grave de hemorragia. Em seguida, transferida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para a Santa Casa de Misericórdia de Araguari.

Na unidade de saúde ela foi atendida pelo médico plantonista, que acionou a PM. Em seguida, os policiais teriam algemado a paciente pelas mãos e pés no tempo em que ela ficou no hospital.

De acordo com a defesa, a jovem confessou ter feito o aborto e disse que o feto estava na casa dela. Os policiais foram até o local, o recolheram e encaminharam para realização de exames em Belo Horizonte.

O primeiro deu resultado inconclusivo para o fato se o feto chegou a respirar ou não. Em exame posterior, concluiu-se que ele chegou a respirar.

Acusações contra a paciente

Após a ação do MPMG, a jovem responde por:

  1. homicídio duplamente qualificado;
  2. tentativa de aborto;
  3. ocultação de cadáver.
A gente considera que essas duas acusações [tentativa de abordo e homicídio duplamente qualificado] são absurdas, inclusive a segunda é imprópria porque ela não tinha condições de saber se o feto respirava ou não e se houvesse seria um infanticídio, jamais homicídio.
— Alberto Toron, advogado de defesa da paciente

Agora, a defesa aguarda a Justiça proferir uma decisão de pronúncia, ou seja, se a jovem irá ou não a júri. Ainda conforme o advogado, o Ministério Público fez o pedido de prisão alegando que ela “vive a vida normalmente, sem arrependimentos”.

“A defesa sustenta que na raiz da investigação há uma ilegalidade, uma ilicitude na coleta de provas porque o médico delatou a paciente quando na verdade ele deveria guardar sigilo”, completou o advogado.

Comportamento do médico plantonista

Os advogados da paciente, Alberto Zacharias Toron e Luiza Oliver afirmam que o médico não respeitou o sigilo profissional na relação entre médico e paciente.

Já o advogado do médico que denunciou a jovemPedro Alexsandro de Sousa, informou ao g1 que não há processo vigente contra o cliente dele e que ele deve atuar apenas como testemunha no processo.

O que diz o Código de Ética Médica

Conforme o capítulo IX do Código de Ética Médica, disponibilizado pelo Conselho Federal de Medicina, é proibido ao médico “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.

O Código acrescenta que a proibição é mantida mesmo:

  • que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido;
  • quando de seu depoimento como testemunha (nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento);
  • na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

g1 procurou o Conselho para questionar quais situações se encaixam como “dever legal”, o que justificaria a quebra do sigilo médico, e se o caso da jovem de Araguari seria um deles. A reportagem aguarda retorno.

O aborto no Brasil

O Código Penal Brasileiro, de 1940, tipifica o aborto como crime e prevê que mulheres e médicos sejam punidos penalmente se provocarem um aborto. Há, no entanto, algumas exceções na legislação: estes são os casos de aborto legal.

O aborto legal só é permitido pela legislação brasileira nos casos em que a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco à vida da gestante ou quando há um diagnóstico de anencefalia do feto.

“Eu acho que essa menina foi alvo de uma violência enorme. É muito trágico, muito dolorido ela ser algemada enquanto ela estava em sofrimento ali. É uma menina e eu acho que este tipo de acontecimento acarreta o grande perigo de outras mulheres que eventualmente tiverem complicações em um momento posterior ao aborto com medo”, finalizou o advogado.

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