Investigação sobre a morte de Marielle já apontava ligação de milícia com Suel, preso cinco anos depois pela PF

Um relatório da Polícia Civil anexado ao inquérito que apura a morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes já apontava, desde 2018, a relação de um dos investigados com a milícia de Rocha Miranda, bairro da Zona Norte do Rio. Maxwell Simões Corrêa, o Suel — preso no último dia 24 acusado de monitorar a vereadora, além de participar na ocultação de provas após seu assassinato — é apontado em nova investigação da Polícia Federal e do Ministério Público do Rio (MP-RJ) como chefe de um esquema de exploração de “gatonet na região”. Ele e outras quatro pessoas, entre elas Ronnie Lessa — preso acusado de ser o autor dos disparos contra Marielle e Anderson — tiveram mandados de prisão decretados pela atividade ilegal.

Ao passo que a delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz à Polícia Federal ajudou a esclarecer pontos até então obscuros da dinâmica dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ela expõe lacunas da investigação conduzida pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio (MPRJ). Entre elas, as atividades criminosas do ex-bombeiro Suel.

Maxwell foi mencionado pela primeira vez no inquérito da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) em um relatório de novembro de 2018. O documento apontou, com base em “dados extraídos de um colaborador da Gardênia Azul”, que Suel seria “responsável pelas atividades da milícia em Rocha Miranda”. Na época, já havia indícios que corroboravam a suspeita: Suel era sócio de empresas de venda de sinal de internet e de cestas básicas na região — atividades largamente exploradas por milícias no Rio.

Após o relatório, contudo, não foram aprofundadas as investigações sobre a participação de Suel na milícia de Rocha Miranda e supostos crimes cometidos pela quadrilha. Ele nunca foi indiciado por integrar o grupo paramilitar.

Cinco anos depois, a partir da delação de Queiroz, a PF retomou a apuração sobre a atuação de Suel na milícia. No fim de julho, uma ação da corporação com o Ministério Público do Rio visou ao cumprimento de sete mandados de busca e apreensão, além de mandados de prisão. Entre os alvos, todos ligados ao esquema de exploração da atividade, estavam: Suel e Ronnie Lessa, além de Maxwell Júnior — filho de Suel —, Welington de Oliveira Rodrigues, o Manguaça, o policial militar Sandro dos Santos Franco e Aline Siqueira de Oliveira — esposa de Suel.

Em seu depoimento, o ex-PM não só contou que o ex-bombeiro tem o monopólio do “gatonet” na região, como revelou que Lessa era seu sócio no negócio. “O gatonet era com o Maxwell na área de Rocha Miranda. No caso do Ronnie, era mais para dentro da comunidade do Jorge Turco (no bairro do Colégio)”, disse Queiroz.

Esquema em Rocha Miranda

Segundo a Polícia Federal, Suel — que morou por muitos anos em Rocha Miranda e até hoje tem parentes que vivem no bairro — começou a explorar a atividade ainda em 2008, quando abriu a empresa Flash Net Prestadora de Serviços de Comunicação e Multimídia, cuja sede fica justamente na área em que ele domina o negócio. A empresa só funcionou até 2018, mas Suel seguiu com a exploração mesmo após o fechamento da firma, segundo contou o ex-PM Élcio de Queiroz, em delação premiada sobre o caso Marielle.

“O gatonet era com o Maxwell na área de Rocha Miranda. No caso do Ronnie, era mais para dentro da comunidade do Jorge Turco (no bairro do Colégio). A maior parte é do Maxwell, só uma parte que era do Ronnie”, disse Queiroz.

O monopólio do negócio na região era garantido por meio de ameaças: “Maxwell está impedindo moradores de instalarem seus serviços de internet, para que os mesmos solicitem os serviços da milícia. Os moradores têm fios de internet cortados e são ameaçados”, relata denúncia de 2019 citada no relatório da PF sobre a morte de Marielle.

No segundo semestre de 2018, Suel e Lessa precisaram se juntar para não perder pontos de “gatonet” na região. Segundo uma troca de mensagens extraída do celular de Lessa, de setembro daquele ano, um traficante da região exigia pagamentos para manter a internet clandestina na localidade que dominava:

“Eu quero o tanto que vocês estão dando agora, só por causa do abuso dele. Se ele não der, eu vou mandar arrebentar… Eu vou mandar tirar as ‘gatonet’ dele toda, eu vou colocar um da sintonia nossa, irmão”, disse o traficante, num áudio encaminhado por Suel a Lessa.

Em seguida, Suel alertou Lessa: “Se a gente não conseguir falar com o cara, vai perder lá no alto”. O bombeiro ainda enviou um número de celular e pediu para Lessa fazer contato, “senão hoje o maluco vai lá arrumar caô”. O PM respondeu: “Vou chamar ele aqui”.

Mudança no negócio

A estrutura do esquema foi alterada com o avanço das investigações nos homicídios de Marielle e Anderson. Com as suspeitas de envolvimento de Lessa e Suel no crime, os dois passaram a ter intermediadores.

Com isso, Maxwell Júnior assumiu a função de administrador da empresa, assim como Manguaça passou a atuar como gerente dos serviços de exploração de televisão e internet. Ele passou também a ser responsável pelo recolhimento de pagamentos após a morte de Jorge Vicente da Silva Neto, conhecido como Jorginho, assim como o filho de Suel.

Com o avanço das investigações, o sargento da policial militar Sandro dos Santos Franco, que é lotado na UPP Formiga, que era o responsável técnico do esquema, arrendou o gatonet de Suel e Lessa e passou a explorá-lo por meio da empresa TECSAT.

Lucro de R$ 31 mil em um mês

Segundo as investigações, após o afastamento de Suel e Lessa — réus no processo por organização criminosa e lavagem de dinheiro —, o policial militar Sandro dos Santos passou a atender em todo o bairro de Rocha Miranda com sua própria firma, após arrendar o esquema, e cobrava o valor de R$ 70 para instalação do serviço e mensalidade.

Anotações apreendidas pela Polícia Federal na Operação Lume apontam que a atividade de exploração de pontos de internet clandestina no bairro teve um lucro R$ 31 mil em apenas um mês. Além disso, o nome de Wellington de Oliveira Rodrigues, o Manguaça, também é apontado no documento obtido pela investigação.

 

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