História revisitada: após um ano e meio de obras, Ilha Fiscal será reaberta ao público
Símbolo dos últimos dias do Império por causa do baile suntuoso que reuniu a elite da corte às vésperas da Proclamação da República, em 1889, a Ilha Fiscal — que Dom Pedro II teria chamado de “um delicado estojo, digno de uma joia” — será reaberta à visitação no dia 8 de julho, depois de um ano e meio de obras para a recuperação estrutural do prédio principal. A reforma se concentrou nas vigas e nos pilares que sustentam o piso. Muitos estavam com ferragens expostas, e a intervenção foi necessária antes que o desgaste causasse um desabamento. Além disso, parte da fachada foi repintada.
— A Ilha Fiscal é um marco da arquitetura herdada da família real. E temos novidades nessa nova fase. Vamos expor na ilha a galeota imperial (espécie de embarcação a remo) que não era apresentada ao público desde 2014 — contou o capitão de fragata José Marques da Silva Filho, gerente de visitação da Diretoria de Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDH), responsável pela gestão do espaço.
A reforma custou R$ 3,4 milhões. Os recursos foram captados pela Lei Rouanet e emendas parlamentares. A Marinha ainda está definindo detalhes da festa de reinauguração, assim como horários de visitação e o valor do ingresso, que deve ficar em cerca de R$ 50, mesmo preço cobrado para fazer os passeios guiados pela Baía de Guanabara promovidos pela DPHDH.
Inicialmente, os visitantes só poderão chegar à ilha de ônibus fretados pelo órgão, por um acesso pelo 1º Distrito Naval, na Praça Quinze, porque existe uma conexão com o continente. Mas os militares têm um projeto de recuperar o trajeto por escuna, como acontecia antes.
Construção tombada
As reformas no imóvel, construído em estilo gótico-provençal (neogótico), foram supervisionadas pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), já que a ilha é tombada desde 1990. Entre as exigências do órgão estava manter a cor original — a tinta teve que ser fabricada. Puxadinhos mais recentes — antes de a ilha virar um museu, em 1995 — foram demolidos.
Nos anexos remanescentes e no subsolo da galeria estão guardadas 20 mil peças históricas de uma reserva técnica usada em exposições da Marinha.
Visitas públicas à parte, também é possível usufruir da Ilha Fiscal num outro papel — quem sabe até como um dos convidados do histórico baile de 1889. A Marinha oferece o local para realização de eventos corporativos, ensaios de moda, festas e até casamentos. As últimas bodas — realizadas no dia 26 de maio — foram apenas na parte externa, já que o salão de exposições ainda estava em obras. Em 2014, por exemplo, o SportTV montou um estúdio panorâmico, de onde fez suas transmissões da Copa no Brasil. O custo da locação pode variar de R$ 20 mil a R$ 100 mil, dependendo do porte e do tempo de quem desejar aproveitar o ambiente.
As curiosidades sobre o espaço, que originalmente se chamava Ilha dos Ratos, se multiplicam. O prédio foi aberto em abril de 1889 depois de oito anos de obras como ponto de fiscalização da alfândega para os navios cargueiros que chegavam. Em 1913, a Receita fez uma permuta com a Marinha: a ilha foi trocada por um barco.
A capitão de fragata e museóloga Míriam Benevenute Santos, responsável pelo acervo histórico da Marinha, observa que a fachada foi um dos poucos pontos poupados pelos revolucionários, que, ao derrubarem Dom Pedro II nos meses seguintes, tentaram eliminar símbolos imperiais de prédios públicos, trocando-os pelo Brasão da República.
A especialista conta que o autor do projeto do prédio, o engenheiro Adolpho José Del Veccio, convenceu Ruy Barbosa — que em 1889 era um dos principais assessores do marechal Deodoro da Fonseca (primeiro presidente da República) — a não remover um brasão instalado na fachada, logo acima do pátio das armas. O símbolo representa a casa de Bragança (de Pedro I e Pedro II) e à qual pertenceram todos os reis de Portugal de 1640 até 1910, quando a República também foi proclamada nas terras lusitanas.
— Del Veccio argumentou que, na verdade, aquilo não poderia ser considerado um símbolo da monarquia, mas uma verdadeira obra de arte por ter sido criado em cantaria (técnica que talha figuras em blocos de rocha) — explicou Míriam.
No interior do prédio de exposições, um dos destaques é uma réplica do quadro a óleo “O último baile da Ilha Fiscal”, pintado em 1907 por Aurélio de Figueiredo. A obra reproduz o contexto histórico: na parte superior, há figuras que simbolizam os republicanos chegando ao poder bem como uma imagem de como seria uma eventual coroação da Princesa Isabel, sucedendo o pai. Pedro II também é representado no quadro junto com outras personalidades da época, como o escritor Machado de Assis. Não consta que Aurélio tenha ido ao baile, mas, em uma espécie de “licença artística”, pintou a si mesmo, a mulher e as duas filhas em um dos cantos do quadro.