Familiares e amigos valorizam legado do cartunista Jaguar: ‘Talento extraordinário’
Ex-colunista do O DIA, Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe morreu, aos 93 anos, após ficar três semanas internado com pneumonia; velório acontece nesta segunda-feira (25)
Familiares e amigos se despedem, na tarde desta segunda-feira (25), do cartunista Jaguar, uma das figuras mais emblemáticas do humor gráfico nacional. Ex-colunista do O DIA, Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, de 93 anos, morreu depois de três semanas internado por uma pneumonia. O velório ocorre na capela celestial do Crematório Memorial do Carmo, no Caju, na Zona Portuária.
O humorista Marcelo Madureira, que participou do ‘Casseta & Planeta’, da TV Globo, valorizou o legado do amigo, destacando sua criatividade para os desenhos e o uso da arte como resistência.
“Um amigo que, pra minha alegria, me ensinou muita coisa. Uma pessoa grandiosa, talento extraordinário. Se tivesse nascido nos Estados Unidos, era milionário, igual styler. Ele tem que ser sempre lembrado com alegria. É um privilégio o Brasil ter artistas como o Jaguar. Era incansável, trabalhou até o final da vida. E fazia isso muito bem. Ele combateu a ditadura usando como armas a coragem, a piada e o humor. Estava sempre desenhando. Eu tenho desenhos dele em papéis de embrulhar pão. São esses que eu guardo com muito carinho”, comentou.
O cartunista Chico Caruso, que trabalhou por mais de 40 anos no Jornal O Globo, valorizou os traços dos desenhos do colega. “O mais engraçado roteirista de humor brasileiro. Um companheiro sensacional. É uma perda inestimável. Ele expressava o que ele era e o desenho mostrava isso. Não tem como a gente não rir dos desenhos do Jaguar. Sempre muito divertido. Foi uma pessoa maravilhosa e um artista inigualável. Era um grande jornalista e desenhava como ninguém”, disse.
Ainda durante a cerimônia, o chargista Renato Aroeira comentou que o cartunista gostaria de uma despedida em tom leve. Além disso, ressaltou o legado do amigo para o jornalismo.
“Para começar, ele deixa de legado um velório sui generis. O pessoal está ali dentro contando piadas sobre o Jaguar. Isso por exigência dele, porque ele não queria ‘chororô’ de forma nenhuma. Deixou isso bem explícito”, pontuou.
“Ele é um dos inventores da nova linguagem do jornalismo. Ele e o pessoal do O Pasquim. Todo mundo conhece o Jaguar cartunista, mas ele também foi um editor excepcional de jornais, um mancheteiro de primeira linha… Basicamente, um dos maiores cartunistas que o Brasil já teve. Um desenhista de traço único, extremamente inimigo da estupidez e do autoritarismo. A burrice, quando alinhada ao autoritarismo, era uma coisa que ele abominava. As charges mostram isso. O Jaguar é de uma geração de humoristas cujo objetivo era fazer as piadas. É um privilégio ter convivido com ele por tantos anos”, concluiu.
O ator Stepan Nercessian contou que conheceu Jaguar há cerca de 50 anos e relembrou da juventude ao lado do cartunista. “São muitas lembranças boas. Muitos anos de conhecimento, tivemos a oportunidade de fazer algumas farras boas, tomar muito chope… Ele era duro na queda, ninguém derrubava ele não. Ele era muito forte e uma pessoa extremamente agradável. Até o mau humor dele era bem humorado. Deixa muitas saudades mesmo. Um artista genial. Conheci quando era garota, por volta dos 20 anos. Participei muito com ele no O Pasquim, fiz muitas fotonovelas que ele inventava e eu ia fazendo. Andamos bastante tempo juntos.”
O humorista Hubert, que também do ‘Casseta & Planeta’, conheceu o Jaguar ao começar a trabalhar no O Pasquim, aos 17 anos. O artista destacou que o companheiro foi uma inspiração tanto profissionalmente quanto pessoalmente, por causa da personalidade engraçada e irreverente.
“Ele foi meu patrão e era o melhor que existia. Ele só conversava, contava os casos dele e a gente se divertia muito com ele desde essa época. O Jaguar é a encarnação do que eu acho que o humor deveria ser. Debochado, irreverente, sacana… O Jaguar não levava as coisas a sério. Não tinha a menor formalidade, não era metido a nada. Era super culto, sabia várias línguas, escrevia muito bem… É um dos caras mais engraçados que eu conheci na vida. Foi uma inspiração total, tanto como artista quanto pessoalmente também”, ressaltou.
Jaguar morreu neste domingo (24). Ele estava internado no Hospital Copa d’Or, em Copacabana, na Zona Sul, há três semanas, por causa de uma pneumonia. De acordo com a unidade de saúde, seu quadro piorou nos últimos dias e evoluiu para uma insuficiência renal.
A cremação está marcada para às 15h. Há 25 anos, o cartunista deu uma entrevista ao Estadão revelando um plano inusitado após a morte: desejava que seu corpo fosse cremado e suas cinzas espalhadas pelos bares que frequentou.
Carreira
Sérgio Jaguaribe nasceu em 29 de fevereiro de 1932, no Estácio, na região central do Rio. Filho de paulistas, cresceu cercado pela literatura e pelas artes, o que cedo o direcionou ao desenho e à sátira. Começou a sua carreira em 1952, ainda como funcionário do Banco do Brasil, ao publicar seus primeiros desenhos na revista Manchete, onde adotou o pseudônimo de Jaguar — sugestão do cartunista Borjalo.
Nos anos 1960, consolidou-se como um dos principais cartunistas brasileiros, publicando em revistas como Senhor, Semana, Civilização Brasileira, no semanário Pif-Paf, além dos jornais Última Hora e Tribuna da Imprensa.
Em 1969, foi um dos fundadores do semanário satírico O Pasquim, junto com Tarso de Castro e Sérgio Cabral. Jaguar foi o único do trio a permanecer até o fim da publicação, em 1991. Criou o ratinho Sig (abreviação de Sigmund Freud), que se tornou símbolo, mascote e mestre de cerimônias do periódico.
Durante a ditadura militar, o jornal enfrentou forte censura. Em 1970, a maior parte da redação foi presa após uma charge polêmica, inclusive Jaguar que ficou detido por três meses. Em 2008, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça o reconheceu, fazendo com que ele recebesse indenização de R$ 1 milhão, sendo a maior dentre os jornalistas anistiados.
Depois do fim de O Pasquim, trabalhou como editor no jornal A Notícia e, posteriormente, foi chargista, colunista, com a seção ‘Boteco do Jaguar’, e articulista no Jornal O DIA por mais de três décadas. Na redação da Rua Riachuelo, sempre esbanjava bom humor com os colegas.
Em 1968, lançou sua primeira coletânea de cartuns, Átila, você é bárbaro, que mais tarde foi relançada pela editora Sesi-SP, celebrada como uma ‘bíblia do cartunismo’ por admiradores. Também publicou Confesso que bebi (2001) — obra que mistura memórias e um guia dos bares cariocas.
Além do cartum, Jaguar teve papel ativo no Rio: foi um dos idealizadores do bloco carnavalesco Banda de Ipanema (1964), que ajudou a reviver o carnaval de rua na cidade. Recebeu a Medalha Pedro Ernesto (1998), que devolveu em 2006 em protesto contra sua concessão a figuras controversas.