Em Fortaleza, abertura do MESECVI marca ato de retratação a Maria da Penha por negligência em caso de violência
O evento foi marcado pela ratificação do ato de reconhecimento de responsabilidade internacional do Estado brasileiro, seguindo a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)
A cerimônia de abertura da X Conferência de Estados Parte do Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI), realizada na noite desta quarta-feira (10), no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza, foi marcada pela homenagem do Estado brasileiro à farmacêutica e ativista Maria da Penha, que dá nome à lei que tipifica os crimes de violência contra as mulheres no Brasil.
Na ocasião, o Estado brasileiro ratificou o ato de reconhecimento de responsabilidade internacional, atendendo à recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, destacou a trajetória de luta de Maria da Penha.
“Hoje fazemos também um ato solene de reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro e uma homenagem à sua trajetória — uma trajetória que é dolorosa, corajosa, transformadora e, sobretudo, revolucionária. Maria da Penha é farmacêutica-bioquímica, pesquisadora, cearense de Fortaleza, e poderia ter tido uma vida marcada exclusivamente pela ciência e pela maternidade. Mas lhe foi imposta uma violência extrema, que quase lhe tirou a vida, que violou seu corpo, sua autonomia, sua dignidade e sua liberdade”, afirmou a ministra.
O ato contou com a presença de representantes do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), da própria Maria da Penha, do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM), do Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL) e das peticionárias do caso no sistema interamericano de direitos humanos.
“Nesta Conferência dos Estados Parte, renovamos nosso compromisso coletivo com a prevenção, a proteção, a investigação, a responsabilização e a reparação — pilares que estiveram ausentes no caso de Maria da Penha e que hoje devem ser garantidos para todas as mulheres do continente”, acrescentou Márcia Lopes.
A ativista Maria da Penha afirmou que o pedido de retratação é fundamental para que a falha e a morosidade do sistema de Justiça não ocorram novamente contra outras mulheres.
“O meu caso foi uma sequência de violência seguida por uma sequência de omissões, erros, negligências e revitimizações institucionais. Durante anos, não sofri apenas a violência praticada dentro de casa, mas a violência do silêncio, da demora, da descrença, de um sistema que, em vez de me proteger, me abandonou”, afirmou ela.
Ainda em seu discurso, Maria da Penha agradeceu ao apoio que recebeu do movimento de mulheres após sofrer as duas tentativas de feminicídio e disse aceitar o pedido de desculpas do Estado Brasileiro.
“Depois de 24 anos, o Estado brasileiro realiza um ato de retratação oficial do meu caso. Eu tenho gratidão por todas as pessoas que mencionei, gratidão por estar viva, por ter resistido, por não ter ficado sozinha e por estar aqui hoje, nesse espaço internacional que reforça que a violência contra as mulheres é uma grave violação de direitos humanos”, enfatizou ela.
Memorial da Mulher Brasileira
A abertura do MESECVI também marcou o ato de assinatura do Termo de Execução Descentralizada (TED) entre o Ministério das Mulheres e a Universidade Federal do Ceará (UFC) para a implementação do Memorial da Mulher Brasileira – Casa Maria da Penha e da Clínica de Acesso a Direitos, com ênfase em gênero, em Fortaleza (CE). O investimento federal é de R$ 1,4 milhão.
O Memorial será instalado no imóvel onde Maria da Penha sobreviveu a duas tentativas de feminicídio, e terá como missão preservar a trajetória da ativista, fortalecer a luta contra a violência de gênero e enfrentar processos recentes de desinformação sobre seu caso, bem como sua revitimização.
Lei Modelo Interamericana de violência digital
A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, participou nesta quarta-feira (10) do lançamento da Lei Modelo Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Digital contra as Mulheres por Razões de Gênero. O evento ocorreu no âmbito do MESECVI.
O instrumento estabelece obrigações para os Estados, deveres para intermediários da internet e princípios de governança para ambientes digitais livres de violência.
MESECVI
As ministras e mais altas autoridades responsáveis pela proteção dos direitos das mulheres dos 32 Estados Partes da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) se reúnem entre os dias 10 e 12 de dezembro, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza. O encontro, que também conta com representantes de organizações de mulheres e da sociedade civil de toda a região, além de agências de cooperação e organismos internacionais, tem o objetivo de debater os desafios mais urgentes para a eliminação da violência contra as mulheres.

