Diretora assassinada no Cefet cogitou pedir exoneração do cargo, diz irmã
Allane Pedrotti, de 41 anos, que fazia parte da equipe pedagógica, sofria constantes ameaças de João Antônio Miranda Tello Ramos e trabalhava em ambiente hostil
Três dias depois do assassinato de Allane de Souza Pedrotti Matos nas dependências do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet), no Maracanã, na Zona Norte, na sexta-feira passada (28), a família da diretora da equipe pedagógica da unidade de ensino lida com a dor da perda e a indignação pelo ataque.
Em entrevista ao DIA, Alline Pedrotti, irmã de Allane, revelou que têm sido dias difíceis desde que tudo aconteceu. “Assim que eu soube do acontecido, eu fui para o hospital, porque passei mal. Desde então, eu estou medicada”, contou ela, que mora em Florianópolis (SC) e viajou para o Rio depois da morte de Allane.
Após outro funcionário do Cefet, identificado como João Antônio Miranda Tello Ramos, entrar armado na instituição, matar Allane e a psicóloga Layse Costa Pinheiro, e tirar a própria vida em seguida, para Alline, a tristeza se funde à revolta.
“É uma tristeza absoluta. Porque a minha irmã era muito minha amiga. A gente era muito amiga. Ela não era só minha irmã, ela era minha minha amiga. O outro sentimento que fica, evidentemente, é de raiva, indignação e de querer ir atrás de respostas. É o que eu já estou fazendo. É o que eu vou fazer. Não tenho data para voltar para Florianópolis. Eu vou ficar aqui até conseguir todas essas respostas”, afirmou.
‘Era pesaroso para ela ir trabalhar’
Segundo Alline, Allane chegou a cogitar largar o cargo por causa das ameaças e do ambiente hostil em que trabalhava. “Ela falava muito isso comigo. ‘Não aguento mais, Aline’. Ela já pensou em pedir exoneração, porque era muito pesado esse clima hostil em relação às mulheres. A minha irmã tinha um currículo invejável, ela era uma pesquisadora, cientista. A minha irmã trabalhava demais pelas causas minoritárias, sempre trabalhou”, afirmou.
Allane era chefe da Divisão de Acompanhamento e Desenvolvimento de Ensino (Diace) do Cefet. Doutora em Letras, ela construiu uma trajetória acadêmica robusta, com passagens pela PUC-Rio, UFRJ, UFF e pela Universidade de Copenhague, na Dinamarca. No Cefet, era responsável pela coordenação da equipe pedagógica e acadêmica ligada à Direção de Ensino, especificamente na área de Educação Profissional e Tecnológica do Ensino Médio.
‘Preciso ser forte para estar lá para minha sobrinha’
“A gente estava conversando, no estacionamento do Cefet, inclusive. Minha sobrinha estava junto. Do nada, ela virou e falou assim: ‘Irmã, se qualquer coisa acontecer comigo, você cuida da minha filha para mim?’ Eu me assustei e perguntei por que ela estava falando aquilo, mas disse: ‘É óbvio, ela é uma filha para mim. Eu vou cuidar dela’”.
“Hoje eu olho para esse diálogo e penso o quanto ela estava se sentindo ameaçada por esse cara. Do quanto ela estava com medo para me falar uma coisa dessas. A minha irmã era uma pessoa doce e generosa. Ela era brilhante”, seguiu.
De acordo com Alline, a filha de Allane está arrasada com a morte da mãe. “Ela e minha irmã eram unha e carne. Era uma relação de muito afeto, de muito amor. De muita proximidade, de muito acompanhamento, o tempo inteiro, 24 horas por dia”, contou.
“Um dia antes do sepultamento da minha irmã, ela não estava levantando da cama. Eu deitei junto com ela e fiquei lá abraçada. Ela não se abria, estava muito fechada. Em determinado momento eu fiz o movimento de perguntar para ela e tentar conversar. Ela começou a se abrir. Com 13 aninhos, a maturidade dela, ainda muito pouca, ela falou para mim: ‘Eu estou com muita raiva, tia’”, narrou.
Com a voz embargada, Alline disse que está focada em tentar acolher a sobrinha. “É muita violência para uma criança de 13 anos. E ela ficou quietinha, eu perguntei: ‘O que é que você está pensando agora?’ Ela falou para mim: ‘Eu só queria ouvir a voz da minha mãe. Eu não sei como vou ficar se a minha mãe’. Eu estou me mantendo de pé por ela, para acolher ela. Eu sou um pouco parecida, fisicamente, com a minha irmã. Minha voz parece um pouco com a voz dela. Quero minimamente tentar acalentar ela a partir disso. Tentar…pelo menos tentar”, se emocionou.
“Eu preciso ser forte para estar lá para minha sobrinha. Porque quando a minha mãe faleceu, a minha tia estava lá para mim. E eu lembro como isso foi fundamental”, afirmou. “Ela era uma mãe perfeita, excepcional. Ela vivia pela minha sobrinha, pelo bem-estar da minha sobrinha. Ela trabalhava muito e sempre me falava isso: ‘Eu estou trabalhando muito, irmã, às vezes até um pouco ausente, estou trabalhando para caramba, porque quero dar um futuro muito bom para minha filha”, relembrou.
‘O samba tirou ela da depressão’
“O samba foi o que botou ela de pé e tirou ela da depressão. Minha irmã é artista e nos últimos tempos ela estava absolutamente focada na carreira musical dela. Trabalhando muito no Cefet, mas muito feliz, focada e com as atenções voltadas para isso. Sempre que eu falava com ela, era sobre isso. Ela falava: ‘Ai, nossa, consegui com a produtora para cantar no Renascença’. Ela estava muito feliz. Ela se agarrou nisso e falava: ‘O samba é minha terapia’”, narrou.
“Minha irmã sempre foi uma pessoa absurdamente dedicada a tudo na vida dela, tanto no profissional como no pessoal. Ela salvou muitas vidas no Cefet, ela direcionou, orientou e acolheu com muito amor muita gente. Eu tenho recebido dezenas de mensagens de ex-alunos e alunos me agradecendo e falando: ‘Sua irmã melhorou a minha vida’, ‘A sua irmã salvou a minha vida’, ‘Quando eu estava para fazer pré-vestibular, nervosa, a sua irmã me acolheu, me acalmou, me incentivou, me mostrou que eu era capaz, me orientou’”, contou ela.

