De olho na Copa de 2030, Arábia Saudita segue os passos do Catar com projeto ambicioso

A máxima segundo a qual “nada se cria, tudo se copia” encontra eco na geopolítica da bola. Depois da ambiciosa empreitada do Catar que culminou na realização da primeira Copa no mundo árabe, a vizinha Arábia Saudita coloca em marcha acelerada seu projeto de usar o esporte como um verniz sobre sua imagem aos olhos do mundo — e que também envolve o desejo de sediar um Mundial, talvez já em 2030, numa jornada solo ou e em parceria com Egito e Grécia.

A prática, que nas relações internacionais foi batizada de sportswashing, não é uma invenção recente, mas parece ter encontrado pujança sem igual nas ricas e opressoras monarquias absolutistas do Oriente Médio. Prova disso é o projeto catari, que envolveu a compra do PSG e as duas transferências mais caras da História, Mbappé e Neymar, além da adesão do garoto-propaganda Messi. Somaram-se a isso a construção de vários estádios e até de uma cidade inteira.

Vizinhos do Catar fazem movimentos parecidos. O dinheiro da família real dos Emirados Árabes Unidos financia o Manchester City. E, depois de certa resistência no Reino Unido, o fundo soberano da Arábia Saudita se tornou proprietário do Newcastle. Agora, os sauditas querem expandir sua influência no esporte mais popular do planeta.

— Existe uma disputa no golfo por visibilidade internacional. Recentemente, a Arábia Saudita entrou nessa jogada — explica Andrew Traumann, professor de História das Relações Internacionais na Unicuritiba. — Devido às acusações de violação aos direitos humanos, principalmente após a morte do jornalista Jamal Khashoggi numa embaixada da Arábia Saudita na Turquia, a situação ficou bastante complicada. Aí começa o sportswashing do país.

São várias frentes. Eventos da Fórmula 1 ao futebol, passando por golfe e boxe, foram sediados por lá nos últimos anos. E outros tantos estão no calendário para os próximos, como a Copa da Ásia (2027), os Jogos de Inverno do continente (2029) e os Jogos de Verão (2034).

Agenda cheia

A menina dos olhos, porém, é o futebol, com foco, claro, na Copa do Mundo, um projeto que tem mobilizado recursos financeiros volumosos em iniciativas que vão do esporte ao urbanismo.

A contratação de Cristiano Ronaldo pelo Al-Nassr, por exemplo, custará aos cofres do clube 200 milhões de euros (R$ 1,1 bilhão) entre salários e acordos comerciais. Embora o time da capital Riad não tenha ligação direta com o governo saudita, seu presidente, Musali Al-Muammar, mantém relação de proximidade com a família real. Seduzir CR7, mesmo que em fim de carreira, significa apresentar-se como um destino viável para os amantes da bola.

Na última quarta-feira, o clube chegou a declarar que a contratação de Cristiano não implicaria em sua participação ou apoio numa candidatura saudita a sediar a Copa, o que naturalmente precisará ser confirmado na prática ao longo dos anos.

O craque português Cristiano Ronaldo custou mais de R$ 1 bilhão ao Al-Nassr, da capital Riad
O craque português Cristiano Ronaldo custou mais de R$ 1 bilhão ao Al-Nassr, da capital Riad Foto: Jorge Ferrari/Al Nassr/AFP

Por outro lado, outro craque, justamente Messi, já foi contratado oficialmente como embaixador do turismo no país, no ano passado, e é visto em vários comerciais e outra ações publicitárias. Não para por aí.

Neste domingo, Riad sediará um Real Madrid x Barcelona pela final da Supercopa da Espanha. Receber a competição pela terceira vez é parte de um dos grandes trunfos do regime, que paga 40 milhões de euros (R$ 220 milhões) à federação espanhola por cada edição — seis delas serão no país do golfo.

Visão para o futuro

O esporte é um braço relevante de um projeto ainda mais ambicioso, chamado Visão 2030. Trata-se de um esforço do Estado para reduzir a dependência saudita do petróleo, diversificando sua economia e promovendo uma relativa abertura.

— Há, de um lado, um incentivo ao esporte e, do outro, uma abertura política e social da região para o mundo. A Arábia Saudita quer incentivar o turismo não religioso, que tem sido sua principal fonte de renda. É mais do que pensar nos direitos humanos — aponta o economista Najad Khouri, do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom), que destaca a permissão recente para mulheres assistirem a jogos de futebol ou irem ao cinema sozinhas, por exemplo.

No campo turístico, destaca-se o projeto The Line (A Linha, em português), espécie de minicidade futurista e ecológica composta por um enorme edifício único, com apenas 200 metros de largura, mas 170 quilômetros de extensão. Até 9 milhões de pessoas poderão morar ali, quando a instalação estiver completamente concluída, o que deve levar décadas. Só The Line deverá custar ao menos 1 trilhão de dólares (R$ 5,1 trilhões) aos cofres sauditas. O prédio faz parte de um projeto ainda maior, chamado NEOM, que resultará na criação de uma megalópole turística e tecnológica perto da fronteira com a Jordânia.

Os especialistas divergem quanto aos frutos colhidos pelos cataris após o Mundial de 2022, já que os problemas do país foram examinados com uma lupa. Mas é inegável que o Catar soube suavizar fatores externos: venceu a batalha com a cervejaria que patrocinava o evento e proibiu a venda do produto nos estádios; viu as manifestações de cunho político e progressista minguarem ao longo da competição; e, de quebra, sediou uma final épica protagonizada pelos mesmos Messi e Mbappé que brilham no Paris Saint-Germain do qual é dono. O desafio saudita é mais duro, porque se trata de um país ainda mais radical nos costumes. Mas a candidatura ao Mundial, para 2030 ou mais à frente, revela um objetivo claro a ser tenazmente perseguido.

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