Contribuição dos think tanks pode reforçar multilateralismo no Brics, indica presidenta do Ipea
Com contribuições vinculadas aos seis eixos prioritários da presidência brasileira do Brics, a coordenação do Conselho de Think Tanks do Brics (BTTC) entregou, nesta terça-feira (8), o documento de recomendações alinhadas às melhores práticas e evidências ao sherpa brasileiro, o embaixador Mauricio Lyrio.
Em reunião em Brasília (DF), Luciana Servo, presidenta do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que coordena o Conselho, apresentou o relatório fruto de elaborações construídas por cerca de 15 instituições. O BTTC promove a troca de ideias entre pesquisadores, acadêmicos e centros de pesquisa por soluções nas várias áreas de debate do agrupamento. No pilar People to People (P2P), a representação dos institutos de pesquisa foi a primeira a realizar a entrega.
Em fevereiro, o Ipea, que neste ano coordena tanto o BTTC quanto a Rede de Think Tanks de Finanças dos Brics (BTTNF), reuniu mais de 40 especialistas para cinco oficinas temáticas, nas quais se consolidaram as recomendações.
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Em entrevista exclusiva ao Brics Brasil, Luciana Servo comentou os destaques do relatório, o histórico de atuação dos institutos de pesquisa junto ao agrupamento, a participação dos novos países membros nas discussões e as próximas agendas no escopo de think tanks até a data da Cúpula de Líderes, em julho. Confira:
De início, a quem não tem familiaridade com o tema, como a gente pode definir o que são think tanks?
Eu vou pegar pelo próprio Ipea, que é uma instituição que faz parte da estrutura do governo brasileiro e a sua função é produzir conhecimento, pesquisas, estudos para apoiar as decisões do Estado brasileiro. Junto com isso, você começa a produzir essas evidências para basear políticas públicas.
Então, a maioria dos think tanks do mundo, governamentais ou não, eles vão fazer essa função, de produzir conhecimento, trabalhar diálogos em torno de temas relevantes e estratégicos para apoiar os seus governos, tanto nas políticas nacionais, quanto nas discussões internacionais.
São instituições, em geral de pesquisa, que trabalham a partir dessa elaboração de evidências, mas que, ao contrário de uma instituição de pesquisa clássica, tem essa função de diálogo com políticas públicas e decisões estratégicas, seja dentro do país, seja em diálogo, por exemplo, com o setor privado e outras instâncias decisórias.
O Ipea este ano preside tanto o Conselho (BTTC) quanto a Rede de Think Tanks de Finanças do Brics (BTTNF). Como esses mecanismos se diferenciam e em que ponto os trabalhos se encontram?
O BTTC é um conselho mais amplo, ele trabalha vários temas e é o primeiro a surgir, se reunindo desde 2013 para discutir recomendações a serem levadas para a presidência do Brics. O Conselho se relaciona com quem chamamos de sherpas. Para quem esteve no G20, a gente também teve uma trilha sherpa, liderada pelo Itamaraty, e esse ano é a mesma coisa.
Já o BTTNF é um mecanismo muito recente. Ele foi proposto há pouco tempo, durante a presidência da China em 2023, e a primeira vez que está se reunindo de fato é neste ano, para discutir temas mais focados na economia e em finanças. Neste ano, estamos discutindo quais vão ser os mecanismos de trabalho, em um diálogo mais próximo com o Ministério da Fazenda e com o Banco Central, para também produzir insumos, nesse caso, mais estudos que propriamente recomendações.
Uma vez que o mecanismo comece a funcionar, a tendência é que ele também passe a funcionar como BTTC, que as reuniões passem a ser anuais e que em algum momento ele também possa fazer recomendações na discussão de finanças.
Nós estamos fazendo essa conversa logo após a senhora entregar ao embaixador Mauricio Lyrio o relatório de contribuições do Conselho. Qual destaque das recomendações recebidas pelo sherpa?
Eu acho que a gente teve entregas muito efetivas, inclusive passíveis de implementação. O Brics tem alguns mecanismos que já vem sendo propostos há muito tempo e, ao se tornarem efetivos, reforçam agendas no nosso país. Exemplo, a agenda de saúde global, que é uma agenda muito importante não só desde a pandemia, quando ficou muito evidente, mas com possibilidade de operação para o desenvolvimento desse grupo de países e para a própria agenda multilateral.
Então, quando a gente está discutindo como trazer a agenda digital para uso na área de saúde, nas políticas públicas, nas plataformas de investimento, a gente está tentando trazer mecanismos concretos, recomendações que podem ser concretizadas em ações no Brasil, mas principalmente na cooperação entre esses países.
E como foi o processo de construção deste documento?
A primeira coisa que a gente tem que destacar é o fato de que apesar da presidência brasileira do Brics durar um ano, a entrega do documento agora em abril acontece para que ele possa subsidiar as discussões da Reunião de Líderes, em julho. Nesse sentido, uma coisa fundamental é como conseguir construir consensos rapidamente entre esses think tanks, a fim de produzir essas recomendações em um prazo muito curto. Então, esse é um destaque.
Nós conseguimos fazer dois momentos. Primeiramente, o Ipea liderou uma discussão com instituições de pesquisa nacionais que conhecem o Brics e entendem os temas prioritários da presidência brasileira para produzir um documento inicial, que foi base para negociação com dos think tanks que compõem o BTTC.
A partir disso, entramos no segundo momento, de diálogo e construção de consensos com os outros seis think tanks do Conselho. E esse processo foi muito rico, já de início, porque houve uma aceitação grande do primeiro documento que foi entregue, então entramos apenas com refinamentos.
Conseguimos chegar a recomendações muito densas e importantes. Somos o primeiro grupo a realizar essa entrega, que vai subsidiar os diálogos que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil vai fazer com os outros sherpas.
Você comentou que outros seis institutos participam do Conselho, como se dá a entrada neste instrumento formal de think tanks do Brics?
Os think tanks, assim como o Ipea, são indicados pelos seus governos. Mas, apesar disso, a ideia é que esses think tanks tenham autonomia para discutir as recomendações, fazerem estudos e entrarem em diálogos. Esse processo, inclusive, agora com os novos países, passa por pensar quem são os think tanks que vão ingressar.
Esse é o primeiro ano em que o Brasil preside o Brics após essa expansão do grupo, com novos países membros e países parceiros. Você poderia explicar com mais detalhes como o Ipea trabalhou em relação a essas novas representações?
Assim, a primeira coisa que você faz quando tem um membro que acabou de chegar em qualquer lugar é mostrar para ele o ambiente, é introduzir ele ao mecanismo. Então, um dos papéis da Ipea foi esse, apresentar para esses países, junto com os outros think tanks, o funcionamento do BTTC.
Até o momento, os países que já indicaram e participaram foram Irã e Etiópia. Eles chegam e são apresentados ao processo de funcionamento, de como se espera que seja feito o diálogo. Uma vez feito, eles são membros, então passam a fazer parte da discussão assim como os países que já compõem há mais tempo.
A Etiópia participou de todo o processo de negociação e o Irã enviou recomendações. É um processo de interação que vai sendo construído ao longo do tempo.
Com mais de dez anos de Conselho e encontro setorial registrado desde a segunda Cúpula, quando o grupo ainda era Bric, os mecanismos de encontro de think tanks são um dos mais estruturados no pilar People to People, de participação social do Brics. Ao que se deve a manutenção de uma inserção tão qualitativa na agenda do grupo?
O BTTC, na sua agenda, organiza o Fórum Acadêmico do Brics (FABrics), uma instância em que especialistas vão discutir mecanismos e questões estratégicas nos países do Brics. Porém, antes mesmo do grupo existir, já existiam diálogos na área de relações diplomáticas e esse foro de especialistas. Só no ano seguinte é que se começa a ter um Brics formalmente constituído. Então, já tinha uma experiência de colocar especialistas para dialogar e aportar conhecimento ao tema.
Era natural que algum tempo depois se formalizasse esse mecanismo, de chamar essas instituições para prover e informar, com conhecimento sobre políticas públicas, os processos de negociação.
Qual é a grande vantagem? Os think tanks não são decisores de políticas públicas. Então, em um momento de geopolítica complexo, reunir instituições que tem por base o conhecimento e ao mesmo tempo tem possibilidade de dialogar com seus governos, ajuda a que esses governos estabeleçam diálogos mais consequentes entre eles.
É um processo muito relevante de manutenção, de um histórico, mesmo com todas as mudanças geopolíticas e mudanças de governos. Esses think tanks vão mantendo a memória do processo e vão ajudando aos próprios países, as suas diplomacias, aos seus gestores, as suas presidências, porque já estabeleceram mecanismos de diálogo prévio entre si.
Uma vez entregue o relatório, quais outras agendas de promoção do Ipea no Brics devem acontecer até a Cúpula de Líderes, em julho?
Teremos a reunião do FABrics, que vai acontecer em Brasília nos dias 25 e 26 de junho. Nesse fórum acadêmico participam tanto os think tanks que compõem o BTTC quanto o BTTNF, dando continuidade às discussões de interesse da agenda do Brics.
Neste momento, a gente constrói também discussões com outras instituições de governo, com as instituições acadêmicas, com instituições que os outros think tanks trazem para o Brasil e assim se forma uma rede maior. É um momento de trazer outras institucionalidades, outros especialistas, outros representantes para um diálogo em torno do Brics.
Então, é um momento não só de diálogo sobre as recomendações já geradas, mas de produção e ampliação de conhecimentos sobre o grupo. Além disso, a gente tem uma série de agendas de continuidade de discussões dos mecanismos, discussões da governança, discussão sobre outros fóruns que estão acontecendo, como a própria COP30, aprofundar qual a interação do Brics com a Conferência.
Ao fim, devemos também seguir trabalhando no que a gente chama de estratégias de implementação para algumas das recomendações que foram feitas, pois apesar de terem sido entregues agora, o diálogo continua.
No fim do mês acontecerá, no Rio de Janeiro, a segunda Reunião de Sherpas, que de forma inédita, replicando um feito do G20, contará com a participação da sociedade civil. Qual a importância para os institutos de pesquisa de um momento como esse, de sentar-se à mesa junto aos sherpas?
Sim, no dia 24 de abril o Ipea estará lá representando os think tanks. E eu acho que esse é um momento muito relevante, em que se faz uma entrega não à presidência brasileira, como a gente fez aqui, mas para todos os representantes dos demais países do Brics. Um momento de ampliar a incidência dessas instituições junto aos sherpas.
Mas mais que isso, nós, durante o G20, aprendemos que esse é também um processo de criar mais legitimidade nesses foros. Se você traz os vários mecanismos, as várias instituições, os vários grupos, aportando para o diálogo, você demonstra que eles podem internalizar essa agenda nos seus países para algo maior do que está acontecendo naquele momento.
“Durante o G20, aprendemos que esse é também um processo de criar mais legitimidade nesses foros. Se você traz os vários mecanismos, as várias instituições, os vários grupos, aportando para o diálogo, você demonstra que eles podem internalizar essa agenda nos seus países para algo maior do que está acontecendo naquele momento.”
Então, tem um processo que estou chamando de conhecimento e legitimação do Brics, não necessariamente de uma presidência ou de outra, mas de como isso, de fato, é um processo importante para nosso país. É um momento de diálogo muito relevante, que qualifica o debate entre os grupos da sociedade civil, mas também qualifica o debate dos sherpas.
Por fim, há algo que não abordamos e a senhora considere importante colocar tanto sobre o trabalho dos think tanks quanto sobre o papel do Brics como voz do Sul Global?
Eu acho que a gente está vivendo alguns momentos de questionamento do sistema multilateral. O Brasil sempre reforça que a discussão no mundo tem que ser buscar a equidade de participação, reforçar o sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), reforçar o sistema multilateral, e o Brics como grupo vem reforçar essa discussão multilateral, e não ser uma discussão à parte.
Isso acho que é muito concreto nas discussões do Brics, algo que veio também na discussão do G20, que são grupos que não substituem o sistema multilateral, ao contrário, ao fazerem essas discussões avançam, reforçando que a agenda do multilateralismo continua central. Porque a tendência para esses confrontos que a gente está vendo agora, principalmente na área de comércio bilateral, sempre existiram. E é para isso que há os mecanismos multilaterais, eles são os mecanismos de mediação. Se a gente não reforçar esses mecanismos, a gente entra em vários processos de disputa sem mediador.
Então, o sistema multilateral é fundamental, o sistema de grupos ajuda essas agendas e cria consensos, e eu acho que o BTTC e o BTTNF são um espaço a mais para ajudar nesse processo.