Cidade nova, violações e críticas: saiba mais sobre a Arábia Saudita, sede da Copa do Mundo de 2034
A Arábia Saudita está confirmada como sede da Copa do Mundo de 2034. O país, que se tornou um dos novos polos do futebol mundial ao contratar craques como Cristiano Ronaldo e Neymar, também será o palco da primeira edição do “novo século” do Mundial. Com planos de construir uma nova cidade para receber a Copa, a Arábia Saudita foi criticada por violações aos direitos humanos e venceu como candidata única.
O país propõe jogos em 15 estádios de cinco cidades do país (Neom, Jidá, Abha, Riade e Al Khobar). O estádio King Salman, em Riade, foi escolhido para receber o jogo de abertura e a final. A candidatura saudita recebeu nota 4,2 de um máximo possível de 5.
Gianni Infantino, presidente da Fifa, oficializou a Arábia Saudita como sede da edição de 2034 nesta quarta-feira, em congresso extraordinário da entidade. Todas as candidaturas foram aprovadas nas inspeções técnicas. Sem concorrentes, a Arábia Saudita foi anunciada após decisão por aclamação.
Investidores no futebol
O mundo abriu os olhos para o futebol saudita nos últimos dias de 2022. Cristiano Ronaldo foi anunciado pelo Al-Nassr no dia 30 de dezembro e abriu caminho para o surgimento de um novo polo do esporte. Neymar, Benzema, Mané e Firmino foram alguns dos craques que, atraídos por altas cifras, seguiram CR7.
Antes do crescimento dos clubes sauditas no cenário internacional, o governo do país passou a figurar como personagem no futebol europeu. Em 2021, o Fundo de Investimentos da Arábia Saudita, ligado ao governo e a Mohammed bin Salman, o MBS, príncipe-herdeiro e atual primeiro-ministro do país, fechou a compra do Newcastle, da Inglaterra, por 300 milhões de libras (R$ 2,2 bilhões na cotação da época).
O investimento no esporte na Arábia Saudita cresceu com a ascensão de MBS. Em entrevista ao ge, Tanguy Baghdadi, professor de política internacional, analisa o movimento de reformulação da imagem do país através do “sportswashing”, termo usado para cunhar o uso do esporte para apagar ou esconder ações que governos não querem que sejam conhecidas pelo resto do mundo.
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— Ele tem essa visão de que a Arábia Saudita precisa mudar o seu posicionamento, a sua postura, precisa ser mais interessante, mais sedutora e tem que diminuir essa imagem mais sisuda que a Arábia Saudita construiu com o passar do tempo. É nesse momento que a Arábia Saudita passa a dar uma importância maior a questões relacionadas à religião ou ao petróleo, mas ao esporte, em particular ao futebol — analisou Tanguy Baghdadi.
Dinheiro x direitos humanos
O dinheiro do petróleo é o que faz da Arábia Saudita um país muito rico. Fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a Opep, mantém sua estabilidade do Oriente Médio e apresenta-se como um dos protagonistas da região.
Para Tanguy Baghdadi, a contraposição ao Irã, inimigo dos Estados Unidos e de Israel, e a posição como uma articuladora no Oriente Médio, elevam a situação dos sauditas na comunidade internacional de países.
— A comunidade internacional tem uma visão bastante dúbia com relação à Arábia Saudita. Por um lado, condena. Vê a Arábia Saudita como um país violador, como um país que tem uma posição complicada — para dizer o mínimo — em relação aos direitos humanos. Por outro lado, é mais condescendente com a Arábia Saudita do que se imaginaria razoável. É uma aliada (dos Estados Unidos), uma articuladora regional. Isso contribui para a Arábia Saudita ser vista como um país que pode ser um problema, mas talvez seja melhor lidar do que deixar de lado.
Apesar do dinheiro e do poder do petróleo, acusações de violações aos direitos humanos são frequentes contra o governo saudita. A Federação Norueguesa de Futebol foi a única que reclamou formalmente da candidatura do país. Para Baghdadi, que estuda o Oriente Médio, a Arábia Saudita “viola direitos em todas as esferas”.
— São inúmeras. Repressão, tortura, não há democracia, não há igualdade de direitos entre homens e mulheres, pena capital. A Arábia Saudita é o violador perfeito de direitos humanos. Viola direitos humanos em todas as esferas, em todas as modalidades que possa imaginar — completou o professor.
A Anistia Internacional, dedicada à defesa dos direitos humanos pelo mundo, alertou a Fifa em novembro para não escolher a Arábia Saudita como sede da Copa do Mundo de 2034. O país foi oficializado como sede nesta quarta-feira, sendo a única candidatura. A Austrália já havia desistido da disputa.a nota, outros três membros da mesma tribo também foram condenados a penas que variam entre 27 e 50 anos de prisão.
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— A Arábia Saudita vai exigir um vasto número de trabalhadores migrantes para entregar essas ambições de Copa do Mundo, mas não há garantia de reforma no sistema de trabalho, de estabelecer um salário mínimo para não cidadãos, ou de introduzir medidas para prevenir a morte de trabalhadores — comentou Steve Cockburn, chefe da área de Direitos de Trabalho e Esporte da Anistia.
Cidade nova
Serão 15 estádios em cinco cidades, uma delas que ainda nem existe. Neom é um megaprojeto futurista orçado em 1 trilhão de dólares (cerca de R$ 5 trilhões). Entre os investimentos, está prevista a criação de um novo clube de futebol.
Neom será do tamanho da Bélgica e se situará próxima ao Mar Vermelho. A cidade terá quatro regiões diferentes: Sindalah, Trojena, Oxagon e Line. Esta última é um projeto de cidade vertical com 170 quilômetros de extensão, 500 metros de comprimento e 200 metros de largura, tendo início no Mar Vermelho. A cidade não terá estradas nem carros, com uso 100% de energia renovável. A previsão é abrigar 9 milhões de pessoas. É nela que os estádios de futebol devem ser construídos.
O plano é ter a cidade pronta até 2045, nove anos depois da Copa do Mundo de 2034. Apesar da grandiosidade do projeto, especialistas em direitos da ONU e outros independentes denunciaram que três membros da tribo saudita Huwaitat, supostamente opositores à megacidade, enfrentam o “risco iminente de execução”. Os três homens — Shadly Ahmad Mahmoud Abou Taqiqa al-Huwaiti, Ibrahim Salih Ahmad Abou Khalil al-Huwaiti e Atallah Moussa Mohammed al-Huwaiti — teriam sido condenados a morte em 5 de agosto do ano passado e suas sentenças foram mantidas em apelação desde 23 de janeiro deste ano.
— Apesar de serem acusados de terrorismo, eles teriam sido presos por resistir a despejos forçados em nome do projeto “Neom” e da construção da cidade linear “The Line” — disseram eles em um comunicado, afirma o jornal inglês “The Guardian“. Segundo a nota, outros três membros da mesma tribo também foram condenados a penas que variam entre 27 e 50 anos de prisão.
Os especialistas, que foram nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, mas não falam em nome da entidade, lamentaram que todos os seis tenham sido acusados de acordo com uma lei antiterrorismo “absolutamente vaga” de 2017. Eles também exigiram que as autoridades sauditas investiguem as alegações de que alguns dos detidos foram torturados para obter confissões e terem suas sentenças revisadas.