Censo 2022: Nove das 22 cidades da Região Metropolitana do Rio viram sua população encolher em 12 anos
Balizador para a implantação de políticas públicas, o Censo 2022, divulgado na quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela uma surpresa nos números: a redução da população da Região Metropolitana do Rio, na contramão do país. Nove das 22 cidades perderam moradores. A queda foi puxada pelos dois maiores municípios fluminenses: a capital — que perdeu 109 mil pessoas — e São Gonçalo, com menos 103 mil.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO ainda tentam entender o que pode ter motivado a mudança de cenário. Nas próximas semanas, outros números, como o do perfil etário, serão divulgados pelo instituto. Membro do Conselho Consultivo do Censo, Suzana Cavenaghi diz que um freio nas grandes metrópoles brasileiras era esperado. Ela explica que o Rio costuma se distinguir do resto do país nas mudanças, que serão vistas anos depois em outros estados — como aconteceu no perfil religioso e na migração do campo para as cidades.
Com os números divulgados até agora, ela levanta a hipótese de que a pandemia de Covid-19 pode ter acelerado uma interiorização dos moradores, já que aumentou a possibilidade do trabalho remoto.
— O custo de vida no Rio é outro fato que pode influenciar. Quem tem a possibilidade vai embora. Com certeza temos pessoas buscando melhores condições de vida e que encontram isso em municípios menores — diz ela, ressaltando que os dados podem ter sofrido influência de problemas na coleta feita pelos recenseadores, como a violência.
Formigueiro
Nos últimos 12 anos, a Região Metropolitana encolheu 1,9% (menos 219.359 moradores) — ainda assim o Estado do Rio registrou um crescimento de 0,4%. Doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE José Eustáquio Alves diz que a queda da população na capital — que foi 1,7% em 2022 — era esperada para acontecer no fim da atual década.
— São números inusitados. Vamos precisar analisar as informações que ainda serão disponibilizadas nas próximas semanas. Uma hipótese é que ocorreu uma migração até para fora do Estado do Rio. Outra é que a cobertura do Censo não alcançou todos os domicílios devido à violência e à polarização política — diz.
Outro município do Grande Rio que encolheu foi São João de Meriti, na Baixada: perdeu 17.711 moradores, mas não o posto de cidade formigueiro. Ela é a mais adensada do estado e a terceira no ranking nacional: são 12.521 pessoas vivendo em cada quilômetro quadrado. A quantidade é 2,5 vezes maior que na capital. Além de São João de Meriti, outras três cidades fluminenses estão na lista das 20 mais densas do país.
Moradora da cidade, a contadora Ariane Santos de Azevedo, de 29 anos, diz que o município tem a fama de ser “dormitório”: quem trabalha na capital só volta para casa à noite:
— Antes havia muitos terrenos vazios, muitas árvores. Hoje está tudo comprado e ocupado. Eu moro no quintal da casa da minha avó. Hoje é a residência dela e mais cinco — conta.
As cidades que perdem população também perdem dinheiro. O número de habitantes é usado pelo governo federal para calcular repasses como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A Secretaria estadual da Casa Civil informou que vai começar a estudar, junto do Instituto Rio Metrópole, os impactos dessa contagem e atualizar o Planejamento Estratégico da Região Metropolitana do Rio.
Na Baixada Fluminense, que integra a Região Metropolitana, quatro cidades estão entre as dez com maior redução do número absoluto de habitantes no estado. Em números absolutos, Duque de Caxias lidera o ranking de encolhimento com menos 46.936 moradores. A cidade tem agora 808.152 residentes. A prefeitura informou que vai tentar levantar os motivos dessa redução, mas que os novos números não devem impactar os repasses federais.
Moradora de Caxias há dez anos, a professora Rose Cipriano, de 49 anos, apontou a violência como principal causa dessa fuga da cidade.
— O meu sentimento é que a insegurança faz com que as pessoas saiam da cidade. Antigamente, alguns locais aqui ainda eram tranquilos. Agora, é generalizado, o perigo está em todos os cantos. Também não temos lazer, há poucas salas de cinema e de teatro — disse a professora, que já foi assaltada duas vezes.
Ao analisar o que pode ter levado à redução da população nas grandes cidades do Rio, Larissa Amorim, coordenadora-executiva da Casa Fluminense, reforça que o primeiro recorte divulgado pelo IBGE pode mostrar o impacto da violência na escolha do morar e que há um movimento de desestímulo ao estilo de vida na Região Metropolitana:
— Outro ponto é a crise histórica que o Rio vive, com desemprego e alta taxas de violência. Houve um agravamento de problemas climáticos, de infraestrutura. O Censo tem um papel fundamental para além das capitais e vai permitir que a gente faça o monitoramento de onde está essa população, de que forma ela ocupa essas cidades e pautar as políticas públicas necessárias para o enfrentamento das desigualdades — analisa Larissa Amorim.
Na outra ponta
Outra surpresa do novo Censo foi o grande aumento em Maricá, que teve um salto de 54% em sua população. Nos últimos 12 anos, a cidade recebeu mais 69.839 moradores, o que é comemorado pela prefeitura, que destaca ter superado o conceito de “cidade dormitório”. Beneficiado pelas atividades ligadas à exploração de petróleo, o município fica a apenas 30 quilômetros de São Gonçalo — cidade que mais perdeu população no país entre aquelas com mais de cem mil habitantes.