Caixa-preta: desde 2021, 72% das perícias de acidentes aéreos não foram concluídas no Brasil; especialistas explicam demora
O Brasil registrou 386 acidentes aéreos entre janeiro de 2021 e julho de 2023, de acordo com dados divulgados pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), por meio do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer).
Desse total, 72% ainda não tiveram as perícias finalizadas pelo órgão coordenado pela Força Aérea Brasileira (FAB) — o índice representa 278 acidentes. O g1 teve acesso ao relatório por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Em uma série de reportagens a partir deste sábado (5), até segunda-feira (7), vamos mostrar o número de acidentes aéreos registrados; como funciona a investigação, a importância dos relatórios para a segurança do transporte aéreo e como eles são usados para estudos; e o relato de famílias de vítimas sobre a espera por respostas e como isso impacta no luto.
- De janeiro até julho deste ano foram registrados 107 acidentes aéreos no país, em 102 deles as investigações não foram concluídas;
- No ano passado, dos 137 acidentes registrados, 114 perícias não foram finalizadas;
- Em 2021, o Brasil registrou 142 casos e 62 deles continuam ativos — ou seja, em investigação — por parte do Cenipa.
O g1 questionou o Cenipa sobre o número de pessoas que traballham nas investigações de acidentes aéreos no país, e também sobre os motivos do número de casos sem conclusão. No entanto, até a publicação das reportagens não obteve resposta.
O estado que mais registrou acidentes nos últimos três anos foi São Paulo, com 71 casos. Em seguida, aparece Mato Grosso, com 59 ocorrências, e Minas Gerais, com 40 acidentes
O painel do Cenipa que traz informações sobre os acidentes mostra que entre 2021 e 2023, 136 pessoas morreram em desastres aéreos no país.
De acordo com o portal do Cenipa, as investigações de acidentes aéreos ocorrem para prevenir novos registros e identificar o que provocou a ocorrência. Dessa forma, seria possível formular melhores recomendações de segurança.
De acordo com os dados do Cenipa, os acidentes são mais comuns entre aviões. Em dois anos e meio, 291 aeronaves desse tipo se envolveram em ocorrências no Brasil. No mesmo período, entre 2021 e 2023, 43 helicópteros passaram por algum tipo de intercorrência.
O órgão da FAB especifica ainda os tipos mais comuns de ocorrência:
- Em primeiro lugar está a falha de motor em voo
- Em segundo lugar a perda de controle da aeronave durante a viagem
- A excursão em pista — quando uma aeronave sai da superfície da pista do aeroporto durante o pouso ou decolagem — completa o ranking de causas típicas de acidentes no país, segundo o Cenipa.
‘Procurar agulha no palheiro’
O especialista em engenharia aeronáutica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Rogério Pingo Ribeiro diz que vários fatores impactam no prazo para a finalização de um relatório sobre um acidente.
“Há a complexidade de uma aeronave moderna. Além disso, há casos em que a máquina é muito destruída. Então, é como procurar uma agulha no palheiro”, diz ele.
O especialista afirma ainda que, em alguns casos, as evidências são mínimas. Além disso, o engenheiro diz que alguns itens que auxiliam na conclusão de uma perícia são os gravadores de cabine ou o de dados de voo, conhecidos como caixas-pretas.
“É de uma ajuda grandiosa para a engenharia. Esse equipamento é obrigatório para aviões de grande porte e comerciais, porém, não são em outros casos”, aponta.
O diretor presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), o piloto Henrique Hacklaender, explica que não existe tempo médio para a conclusão de uma perícia.
“O objetivo principal é encontrar uma conclusão para que não ocorram novos acidentes”, diz o piloto.
Segundo Henrique, que é formado em ciências aeronáuticas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), até o local onde ocorre o acidente deve ser levado em consideração no tempo para conclusão de um relatório. O piloto explica que isso ocorre porque um avião pode se acidentar em lugares de difícil acesso, como em uma mata fechada ou no mar.
O piloto Garon Maia e seu filho, Francisco Veronezi Maia, de 11 anos, morreram após o avião em que estavam cair em uma área de mata fechada na divisa entre Rondônia e Mato Grosso, no dia 30 de julho.
Registros do site Flightradar24 indicam que o avião perdeu sinal cerca de 25 quilômetros após a decolagem, o equivalente a oito minutos de voo. O Cenipa iniciou as investigações na terça-feira (1º). Como o bimotor não era obrigado a ter caixa-preta, o trabalho deve ter um tempo prolongado.
Três pessoas morreram após a aeronave em que estavam cair na região da Serra do Mar, no Paraná, em julho deste ano. O avião decolou do noroeste do estado, mas não mandou mais sinal cerca de 10 minutos antes do horário previsto para o pouso.
Estavam na aeronave Heitor Guilherme Genowei Junior, 42 anos, Felipe Furquim, 35 anos, ambos servidores da Casa Civil do Governo do Paraná e o piloto Jonas Borges Julião, de 37 anos. No percurso, o bimotor não teria acionado o ELT (sinal de localização de emergência).
Um avião fabricado em 1993 caiu em cima de casas em Goiânia e deixou dois irmãos mortos, em março deste ano. Leonardo Rodrigues da Rocha e Bruno Rodrigues da Rocha foram socorridos pelo Corpo de Bombeiros, mas não resistiram aos ferimentos e morreram no hospital.
A aeronave saiu de Taiobeiras, no norte de Minas Gerais, e tinham Goiânia como destino final. O Cenipa iniciou as investigações. Assim como o avião do acidente em Rondônia e Mato Grosso, não há caixa-preta nesse caso.