Aos 88 anos, morre o escritor Luis Fernando Veríssimo
Ele estava internado há três semanas, com quadro de pneumonia
O escritor Luis Fernando Veríssimo morreu na manhã deste sábado (30), em Porto Alegre (RS), aos 88 anos. Ele estava internado há três semanas no Hospital Moinhos de Vento, com quadro de pneumonia.
Com doença de Parkinson, em 2021, Verissimo teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ele também tem problemas cardíacos. Com as sequelas do AVC, parou de escrever e teve a fala afetada.
O escritor vivia com a esposa, Lúcia, e com o filho caçula do casal, Pedro, na histórica casa da família no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, a mesma onde viveram o pai dele, o escritor Erico Verissimo, e a esposa Mafalda.
Nos últimos tempos estava sempre acompanhado pelos olhos vigilantes, carinhosos e sorridentes da sua mulher, a carioca Lúcia Helena Massa, com quem estava casado desde 1963. Foi de tudo na vida das comunicações, mas ironicamente com suas maiores características — o silêncio, a timidez e as poucas palavras que ousava proferir. Era lacônico.
“Nunca fui muito íntimo de mim mesmo, nunca examinei o que eu fiz, o que eu deixo de fazer”, disse quando completou 80 anos. Lúcia nos últimos tempos era sua voz, a sua razão de fazer a sua vida andar com calma e amor e, com saúde, com as dificuldades habituais e naturais das sequelas que enfrentou da doença de Parkinson e do AVC.
A carreira
Luis Fernando Verissimo nasceu em 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre, filho de Mafalda e Erico Verissimo, também escritor. Começou os estudos na cidade natal, mas foi para os Estados Unidos aos 16 anos, onde aprendeu a tocar saxofone, um de seus passatempos.
O escritor tem mais de 70 livros publicados e 5,6 milhões de cópias vendidas. Além das obras próprias, escrevia colunas para os jornais “O Estado de S.Paulo”, “O Globo” e “Zero Hora”. Também desenhava tiras de quadrinhos e a série “As cobras” foi uma das mais lidas da imprensa brasileira.
Antes de lançar seu primeiro livro, “O popular”, em 1973, começou como revisor do jornal “Zero Hora”, de Porto Alegre, em 1966, onde também exerceu outras funções jornalísticas.
Leia uma das crônicas de Veríssimo
A metamorfose
Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e viu que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpresa e sem querer deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu segundo pensamento foi: “Que horror… Preciso acabar com essas baratas…”
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez uma espécie de manto com a cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele, roupa de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita. Para uma ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais, mas as mulheres precisam realçar sua personalidade. Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia?… Tinha educação?…. Referências?… Conseguiu a muito custo um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente… Precisava comprar comida e o dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Conhecem-se, namoram, brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa e banho. Vandirene casou-se, teve filhos. Lutou muito, coitada. Filas no Instituto Nacional de Previdência Social. Pouco leite. O marido desempregado… Finalmente acertou na loteria. Quase quatro milhões! Entre as baratas ter ou não ter quatro milhões não faz diferença. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Mudou de bairro. Comprou casa. Passou a vestir bem, a comer bem, a cuidar onde põe o pronome. Subiu de classe. Contratou babás e entrou na Pontifícia Universidade Católica.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado em barata. Seu penúltimo pensamento humano foi: “Meu Deus!… A casa foi dedetizada há dois dias!…”. Seu último pensamento humano foi para seu dinheiro rendendo na financeira e que o safado do marido, seu herdeiro legal, o usaria. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu cinco minutos depois, mas foram os cinco minutos mais felizes de sua vida.
Kafka não significa nada para as baratas…