Família de mulher trans morta na Baixada vê conexão do assassinato com crime ocorrido em 2021

Thiago Moreira, irmão mais velho de Júlia Nicolly, prestou depoimento na quinta-feira. Alexandre Cassiano / Agência O Globo

Júlia Nicolly Moreira quase foi assassinada em julho de 2021. Ela estava dentro de casa, em Belford Roxo, quando foi esfaqueada por um homem com quem mantinha um relacionamento amoroso e teria agido por ciúmes. Um dos vizinhos a ouviu gritar, foi até o imóvel e viu, pelo vidro da porta, o momento em que o agressor segurava uma faca e Júlia estava ensanguentada no chão. O suspeito foi mantido em cárcere pelos moradores até a polícia chegar e fazer a prisão em flagrante.

A família da vítima acredita que esse mesmo homem possa estar envolvido na morte de Júlia, na última terça-feira. Crianças que brincavam perto da casa dela viram dois homens deixando o imóvel no carro que ela usava, estranharam a movimentação e chamaram seus pais. Eles foram à residência e chamaram por Júlia. Como ela não respondia, arrombaram a porta e a encontraram amordaçada e com marcas de facadas pelo corpo, principalmente no pescoço, no pulmão e nas costas.

O carro de Júlia foi achado na quarta-feira, ainda em Belford Roxo, mas distante da residência dela. O veículo estava com várias manchas de sangue. Apenas o celular da técnica de enfermagem foi levado — documentos, dinheiro e cartões foram deixados no automóvel.

‘Minha irmã não vai virar estatística’

Júlia assumiu a identidade feminina há cerca de seis anos, quando mandou fotos à família dos novos documentos com o nome social de sua escolha. Logo depois, ela implantou próteses de silicone nos seios e passou a investir no uso de maquiagens.

O irmão dela, Thiago Moreira, revelou ter tido dificuldade em aceitar a transformação da irmã, mas com carinho, dedicação e compreensão, os dois passaram a se acertar.

— Eu sou ignorante mesmo. Quando criança, ficava incomodado com o jeito da minha irmã. Nossa, ficava muito irritado quando chamavam ela de “viadinho”. Ela mesma não ligava muito, dizia para eu não esquentar a cabeça. Quando ela passou pela transição, eu não aceitei muito bem, mas ela foi quebrando isso dentro do meu coração — disse Thiago emocionado, referindo-se a irmã ora no feminino, ora no masculino, e com amor evidente.

Júlia era técnica de enfermagem, trabalhava fixo em dois hospitais: o Hospital Getúlio Vargas Filho, o Getulinho, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, e no Hospital da Mulher de São João de Meriti, na Baixada. Também atuava esporadicamente na Organização Social Ideias.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de Niterói e o Hospital Getulinho Vargas Filho “lamentam profundamente o assassinato da técnica de enfermagem Julia Nicoly […] sempre comprometida, competente e prestativa”.

A irmã de Júlia, Laura Moreira, enfatiza a dor pela perda da irmã: — Minha irmã era luz! Onde passava era alto astral, não deixava o ânimo cair. Eu não vou deixar ela virar estatística.

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