Plano Integrado de Saúde nas Favelas do RJ chega a 1 milhão de pessoas
Em cinco anos de atuação, o Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro se consolidou como uma das iniciativas mais potentes de promoção da saúde em territórios periféricos no país. Prestes a completar esse ciclo, o programa anuncia um marco histórico: mais de 1 milhão de pessoas já foram impactadas por ações que abrangem desde a segurança alimentar até a saúde mental, passando por educação popular, vigilância comunitária e tecnologias sociais desenvolvidas nos próprios territórios. Os resultados atingidos no período serão apresentados na próxima sexta-feira (5/12), às 12h30, no evento Favelizar a Saúde: 5 anos de parceria Alerj-Fiocruz, que ocorrerá na Arena Dicró, na Vila da Penha, no Rio de Janeiro.
A escolha do lugar e do momento carrega peso simbólico. A atividade reunirá organizações que atuam em todo o estado, incluindo o Complexo do Alemão e Vila da Penha, área que ainda vive o impacto profundo da morte de 121 pessoas em confrontos com a polícia há pouco mais de um mês. “Celebrar conquistas e reafirmar políticas de cuidado a partir dali é também uma forma de resistência e de anúncio: nas favelas, saúde é construção coletiva, mesmo diante da dor”, destaca o coordenador do Plano Integrado de Saúde nas Favelas, Richarlls Martins.
Enfrentamento das desigualdades
A Síntese de Indicadores Sociais de 2024 divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (3/12) mostra que cenário de desigualdade no Rio de Janeiro segue acentuado, apesar da redução nas taxas de pobreza e extrema pobreza nos últimos anos. No estado, duas em cada dez pessoas ainda vivem abaixo da linha da pobreza, com renda inferior a R$ 694 — 19,6% do total. Essa população em vulnerabilidade social que mora em favelas e periferias do estado são o foco do Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro. O público que já foi impactado pela iniciativa representa 5,8% de toda a população do estado.
A estratégia é resultado de uma articulação inédita entre organizações comunitárias e instituições científicas como Fiocruz, UFRJ, Uerj, PUC-Rio, Uenf, Abrasco e SBPC, em parceria com a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A iniciativa foi pensada ainda durante a pandemia para ser um grande laboratório de tecnologias sociais, capaz de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) a partir das próprias potências que emergem dos territórios. Em cinco anos, destinou mais de R$ 20 milhões para ações locais — o maior investimento desse tipo já realizado no Brasil — e apoiou 146 projetos, com recursos que variam entre R$ 50 mil e R$ 500 mil, alcançando 175 favelas e periferias espalhadas por 33 municípios do estado.
O aporte financia cozinhas comunitárias que já garantiram alimentação digna para aproximadamente 250 mil famílias, com a distribuição de mais de 600 toneladas de alimentos e a reorganização de processos produtivos locais. As cozinhas se tornaram espaços de cuidado e mobilização, responsáveis juntas por 200 mil refeições servidas — uma resposta direta à urgência da fome que cresceu durante e após a pandemia.
A atuação no campo da educação em saúde também ganhou força: cerca de 40% das iniciativas apoiadas se dedicaram a formar multiplicadores, criar campanhas, produzir conhecimento e traduzir temas complexos para a linguagem cotidiana. Já as ações de agroecologia, que representam cerca de 30% dos projetos, fortaleceram hortas, quintais produtivos, viveiros, cozinhas de aproveitamento integral e redes que conectam saúde, território, soberania alimentar e sustentabilidade ambiental.
Nesse processo, o protagonismo das mulheres, principalmente as negras, tem se sido determinante. Estima-se que 75% das pessoas beneficiadas diretamente pelos investimentos sejam mulheres que lideram cozinhas, coletivos, grupos culturais, projetos de cuidado e iniciativas de formação, reafirmando o papel histórico delas na sustentação da vida nas favelas.
“Tenho acompanhado o Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro desde 2023, quando estava na chefia de Gabinete do presidente da Fiocruz, Mario Moreira. Considero que o Plano é inovador na sua construção coletiva. Os projetos têm gerado tecnologias sociais importantes numa perspectiva de produção de saúde na sua dimensão mais ampla, nos diferentes territórios”, afirma a coordenadora de Estratégias de Integração Regional e Nacional da Presidência da Fiocruz, Zélia Profeta. “Chama atenção o grande número mulheres e jovens nas coordenações dos projetos. Há muita pujança nessa proposta do Plano que é interinstitucional. Tenho sugerido que essa experiência seja levada para os outros estados onde temos unidades e escritórios da Fiocruz”.
As ações de saúde mental promovidas pelo Plano vem sendo fundamentais para dar apoio psicológico aos moradores de favelas que vivem em cenário de violência, luto e insegurança crônica. O Plano apoiou projetos que criam espaços de acolhimento, rodas de conversa, acompanhamento psicossocial e estratégias comunitárias de cuidado emocional. Além disso, investe na produção de diagnósticos sobre condições de saúde nas favelas, elaborados por organizações locais, que transformaram saberes populares e escutas comunitárias em instrumentos estratégicos de vigilância em saúde.
Para Richarlls Martins, as ações evidenciam que as práticas da população das favelas se traduzem em novas tecnologias sociais: “O conceito de favelizar a saúde reconhece que, nesses territórios, o cuidado sempre floresceu nas lideranças que acolhem vizinhos, nos jovens que comunicam para salvar vidas, nas mulheres que organizam cozinhas solidárias, nos agentes culturais, nas associações de moradores e em tantas outras formas de organização. Favelizar a saúde significa deslocar o foco: para entender que inovação também nasce do beco, da viela, da laje; que cuidado integral é prática cotidiana; que política pública se faz com território, não apesar dele”, define.
Favelizar a Saúde: 5 anos de parceria Alerj-Fiocruz
Local: Arena Cultural Dicró, Parque Ari Barroso;
Endereço: R. Flora Lôbo, s/n, Penha;
Data: 5/12;
Horário: 12h30.

