O julgamento dos golpistas e o espelho da nossa democracia
Por Ricardo Costa Leite
Jornalista & Assessor de Comunicação
Em pleno século XXI, com toda a tecnologia à disposição, transmissões ao vivo de julgamentos e o pleno exercício do direito à defesa, estamos testemunhando no Brasil um momento histórico. O julgamento dos envolvidos nos atos golpistas que tentaram subverter a ordem democrática expõe não apenas os réus, mas também uma parte sombria da sociedade brasileira que insiste em não enxergar a gravidade dos fatos. É a democracia julgando, com todas as garantias legais, aqueles que a atacaram – e, paradoxalmente, os acusados pregam justamente o oposto: a destruição desse mesmo sistema que hoje os protege.
O mais preocupante, no entanto, é que uma parcela significativa da população, mesmo diante de todas as provas e da clareza dos acontecimentos, se mantém indiferente ou até cúmplice. Como compreender que, mesmo com acesso a informação, com debates transmitidos em tempo real, ainda haja quem apoie um grupo tão evidentemente nocivo à vida democrática? A resposta talvez esteja em nossa formação histórica, marcada por privilégios mantidos a ferro e fogo e por uma educação insuficiente que, deliberadamente, não prepara o povo para compreender sua força política.
A classe média brasileira, em grande parte, se revela nesse processo: cínica, hipócrita e conivente. É uma camada social que, ao invés de ser motor de transformação, muitas vezes reproduz o discurso das elites, sustentando o preconceito contra os mais pobres e cultivando uma raiva doentia diante de qualquer ascensão social dos desfavorecidos. É nesse ponto que emerge uma pergunta inquietante: por que, mesmo sendo um país jovem em termos históricos, o Brasil carrega de maneira tão entranhada um racismo estrutural e um preconceito contra os pobres? Por que há essa recusa quase visceral de aceitar que um filho da periferia, um negro, uma trabalhadora doméstica, possa ascender socialmente?
Esse julgamento expõe, portanto, não apenas a face autoritária dos golpistas, mas também a fraqueza moral de quem os defende. Expõe o abismo social que nos acompanha desde a colonização, o pacto das elites que nunca permitiu ao povo um mínimo de instrução política. E agora, diante das câmeras, com todo o processo escancarado, o que se vê é uma oportunidade histórica de reconhecer esse passado e cobrar responsabilidade.
Não há espaço para anistias que representem apenas um arranjo político, um “toma-lá-dá-cá” que já se desenha no Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados, como moeda de troca para articulações eleitorais de 2026. Esse movimento de autopreservação, travestido de pragmatismo, é um tapa no rosto da democracia. Perdoar golpistas em nome de composições eleitorais seria não apenas um erro jurídico, mas também uma traição à memória coletiva e ao futuro do país.
O julgamento que se desenrola hoje deveria envergonhar qualquer brasileiro minimamente consciente. Envergonhar por termos chegado a este ponto, envergonhar por ainda haver quem apoie uma corja que tentou usurpar o poder, envergonhar por vermos setores políticos tramando para aliviar a barra de quem atacou a democracia. Que todos os envolvidos sejam punidos exemplarmente. E que o Brasil, um país que insiste em tropeçar em seus próprios fantasmas históricos, finalmente aprenda que não há futuro possível fora do Estado de Direito.