Corpo chegou ao cemitério em carro do Corpo de Bombeiros
Depois de um velório que durou 17 horas na quadra do Império Serrano, em Madureira, com muito samba e cerveja, o corpo do cantor e compositor Arlindo Cruz deixou a agremiação neste domingo (10), por volta das 10h, em direção ao Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, na Zona Oeste. O cortejo aconteceu num carro do Corpo de Bombeiros, que transportou, também, a viúva do artista, Babi Cruz.
Em Sulacap, centenas de fãs acompanharam a despedida na capela 9, que também foi palco de um momento privado de oração só com a família e amigos. O corpo foi enterrado por volta das 13h, ao som do toque de um clarim. Muitos famosos também marcaram presença, como os cantores Xande de Pilares, Diogo Nogueira e Andrezinho, além da apresentadora Regina Casé, do humorista Helio de La Peña e da porta-bandeira Selminha Sorriso. Respeitando um pedido da família, a maior parte do público usou roupas brancas.
Filho do compositor, Arlindinho comentou sobre os sentimentos após o fim do sepultamento e confessou que esse talvez seja o seu dia “de maior alívio” nos últimos oito anos. “Ele vinha sofrendo muito nos últimos meses, com uma piora acentuada. Foi um descanso. Apesar de muita dor. A gente acha que está preparado pra hora, mas não está, mas ele precisava descansar. Foi o melhor para a matéria. Sabemos que vamos nos encontrar em algum momento, acreditamos na reencarnação. Foi o melhor para o corpo dele descansar”, disse.
“Agora é ressignificar o Dia dos Pais. Meus filhos estão aqui, entender que por eles, tenho que ter o Dia dos Pais mais forte, pelo menos, para mostrar a eles o significado dos pais.”
Selminha Sorriso, ícone da Beija-Flor e do Carnaval, destacou a enorme contribuição à música brasileira. “Todos nós tínhamos esperança que ele pudesse ficar bem, voltar a compor, cantar. Era difícil, mas nada é impossível para Deus, e os orixás. Ele é de religião de matriz africana, então sempre exaltou os orixás. Um homem que está deixando um legado muito grande, a contribuição dele foi muita. Eu tinha muito contato com ele antes da doença, fui visitá-lo assim que ele adoeceu. Ele tinha, assim como todos nós, brasileiros, muita fé, muita esperança”, afirmou.
Já Xande de Pilares afirmou que a melhor palavra para descrever o músico é “generosidade”. “A minha maneira de agir vem praticamente dele, porque eu não só aprendi a versar improvisado, gostar de samba com ele. Eu aprendi que a generosidade faz parte do ser humano, e o Arlindo foi assim com todo mundo”, disse.
“Ver o Arlindo sofrer durante esse tempo todo foi pior do que hoje. A gente sabe do que vai acontecer, mas não está preparado”, explicou. “Se o samba tem o valor que sempre mereceu ter, o Arlindo contribuiu 100% para isso.”
Quem também ressaltou a generosidade do sambista foi o ator Hélio de La Peña. Ele destacou a amizade com o artista e o legado dele para a história do país. “O Arlindo Cruz é uma pessoa muito generosa. Independente de qual visão as pessoas tenham do Arlindo, todos sabem que ele era generoso. Um amigo, artista, parceiro gigantesco. Ele deixa uma obra enorme e que não vai ser esquecida, porque ela tá em todas as rodas de samba. A influência dele na cultura brasileira é inesquecível e será sempre lembrada pelos amigos e fãs, que são milhões.”
Emocionada, a atriz Regina Casé relembrou os momentos ao lado do sambista no programa “Esquenta”, da Globo. “O sofrimento maior foi o momento que aconteceu a tragédia dele ficar doente. A partir dali, a gente foi se despedindo dele aos poucos. Acho que ali naquele momento, que a gente parou de ouvir a voz dele, ele parou de zoar, brincar, de compor músicas lindas, poesias maravilhosas, ali ficou todo o nosso sofrimento. A partir dali, a luz dele era tão forte, tão intensa que demorou oito anos para se apagar e realmente ele passar para um outro plano.”
Integrante do grupo Molejo e muito amigo da família, o cantor Andrezinho contou que se aproximou com Arlindo depois que fez um show com ele, em 1987. “Acabou que a gente entrelaçou as famílias e eu pude acompanhar de perto o ser humano que era o Arlindo, fora de série. Uma pessoa pronta para fazer o bem a todo mundo, qualquer um, agregador. Deixou um montão de órfãos, viúvas. Vai fazer bastante falta na música, como já estava fazendo, mas o legado dele é muito grande também, mas tentar dar continuidade de todas as formas que puder”, explicou.
O cantor Diogo Nogueira relembrou sua trajetória com o mestre. “Tenho muitas lembranças com ele. No início da minha trajetória, foi uma pessoa que me carregou, me levava para as rodas de samba. Eu participei de muitos shows dele, então ele foi uma pessoa muito generosa com o início do meu trabalho, da minha carreira, e só tenho a agradecer tudo que ele fez por mim nesses 20 anos de carreira”, disse.
A aposentada Tereza Cristina Gonçalves, de 68 anos, é moradora de Campo Grande e frequenta rodas de samba há décadas. Ela expressou a tristeza e a importância do compositor na sua vida. “O coração está muito triste, abalado, porque ele é um ícone, uma pessoa maravilhosa. Eu fico diariamente no YouTube vendo os vídeos dele, Ele estava sofrendo desde 2017. É uma coisa que a gente não vai esquecer nunca. Eu sei que onde ele estiver, ele vai zelar por todos nós.”
O caixão foi coberto com a bandeira do Flamengo, time do coração de Arlindo. O cortejo foi ao som do toque do surdo do Império Serrano e de sucessos da carreira do artista.
Antes do caixão deixar a quadra, outras personalidades também se despediram do cantor, entre eles o ator Antonio Pitanga e a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).
Ícone do samba, Arlindo morreu na última sexta-feira (8), aos 66 anos, após ficar três meses internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Barra d’Or, na Zona Oeste. Ele lutava contra sequelas de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) sofrido em 2017.
Gurufim
O velório no Império, escola do coração do artista, ocorreu em formato gurufim, uma tradição da cultura africana que homenageia os mortos com músicas, danças e comida. Na despedida, que começou por volta das 18h de sábado (9) com cânticos de candomblé, uma grande roda de samba se formou para celebrar a memória do artista e entrou pela madrugada, com direito a chopp gratuito – mais de dez barris – para os presentes.
Filho do artista, Arlindinho tocou banjo diante do velório e recordou diversos sucessos do pai, como “O show tem que continuar” e “Meu Lugar (Madureira)”. A cantora Maria Rita, que gravou diversos hits de Arlindo, também cantou, muito emocionada. Regina Casé, Zeca Pagodinho, Erika Januza, Thiago Martins, Hélio de La Peña e Marcelo D2 foram outros nomes presentes ao velório, ainda no sábado.
“Seguir em frente é muito difícil, mas o ensinamento que ele me deu é de luta, perseverança e de ser um sambista vencedor. É isso que eu vou fazer: seguir lutando e honrando o nome dele. Ainda não sei quanto tempo eu vou ficar parado, mas eu vou tomar o fôlego de volta”, disse Arlindinho.
A rainha de bateria do Império, Quitéria Chagas, relembrou a insistência de Arlindo para que ela retornasse ao cargo. “Ele sempre me incentivou e o Império é uma escola que é família. Essa semana foi aniversário da morte do meu marido e eu sei o que é ser viúva. Tive que fazer um trabalho mais cedo, mas quis vir.”
A escritora Conceição Evaristo, tema do enredo do Império de 2026, destacou a obra do artista. “Ele marca em um lugar de poesia, que nasce fora dos cursos de poesia e daquilo que os críticos literários vão considerar como poesia. Ele criou através de uma cultura que é chamada de periférica. Deixa um legado que traz poesia para o povo, reflete os amores, as nossas angústias, as paixões e as nossas crenças. É o poeta do samba que traduz a nossa vivência.”