1,7 milhão de pessoas trabalhavam por meio de plataformas e aplicativos de serviços em 2024, diz IBGE
No 3º trimestre de 2024, o Brasil tinha 1,7 milhão de pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços, incluindo aplicativos de transporte de pessoas, de entrega de comida e produtos e de prestação de serviços gerais ou profissionais, o equivalente a 1,9% da população ocupada no setor privado. Em relação a 2022, quando havia 1,3 milhão pessoas nessas ocupações, houve crescimento de mais 335 mil pessoas (25,4%).
Os dados, divulgados nesta sexta-feira (17/10) pelo IBGE, são do módulo Trabalho por meio de plataformas digitais 2024, da PNAD Contínua. Esse módulo é experimental e fruto de um convênio com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
No recorte por tipo de aplicativo, 58,3% (964 mil) exerciam o trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros, seja de táxi ou diferentes de táxi, sendo 53,1% (878 mil pessoas) em transporte particular de passageiros excluindo os de táxi e 13,8% (228 mil) em aplicativos voltados para taxistas. Já 29,3% (485 mil) eram trabalhadores de aplicativos de entrega de comida, produtos etc., enquanto os trabalhadores de aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais somavam 17,8% (294 mil).
Entre 2022 e 2024, observou-se um crescimento do total pessoas que exerciam o trabalho por meio de todos os tipos de aplicativos pesquisados, mas o destaque foi para as plataformas de prestação de serviços gerais ou profissionais, cuja expansão foi de 52,1% (de 193 mil para 294 mil pessoas). Em termos de contingente, o maior aumento se deu no transporte de passageiros (excluindo táxi), que passou de 680 mil para 878 mil pessoas (aumento de 29,2%).
A região Sudeste concentrou mais da metade dos plataformizados do Brasil: 53,7%. Por tipo de aplicativo, o Nordeste teve a maior proporção de trabalhadores por aplicativos de transporte particular de passageiros (excluindo os de táxi): 69,4% do total de plataformizados da região. A região Norte apresentou a menor proporção de pessoas que trabalhavam com aplicativos de serviços gerais ou profissionais, 8,3%, menos da metade do índice no país, enquanto as maiores participações foram registradas nas regiões Sul (23,2%) e Sudeste (20,4%).
Os dados mostram que 86,1% dos plataformizados eram trabalhadores por conta própria e 6,1% eram empregadores. Entre os grupamentos de atividade, 72,5% dos plataformizados atuavam em Transporte, armazenagem e correio, refletindo o fato de que os aplicativos de transporte de passageiros e de serviços de entrega eram os mais difundidos no país.
Observou-se, ainda, predomínio do grupamento ocupacional de operadores de instalações e máquinas e montadores (72,1%), que abrange os condutores de motocicletas e de automóveis. As ocupações elementares, por outro lado, representavam somente 1,7% dos plataformizados, enquanto respondiam por 17,4% do total de ocupados no setor privado, o segundo grupamento ocupacional mais numeroso. Já o grupamento dos profissionais das ciências e intelectuais, formado por uma força de trabalho, em geral, mais qualificada, respondeu por 5,0% do total de plataformizados, participação inferior à registrada no total de ocupados no setor privado (9,4%).
“O grupamento dos profissionais das ciências e intelectuais, que abrange diversas ocupações, como profissionais da área de TI, designers gráficos, arquitetos, tradutores, médicos, dentre outras, ainda que represente uma pequena parcela dos trabalhadores plataformizados, foi o que mais expandiu a sua participação entre esses trabalhadores (aumento de 1,5 p.p. em relação a 2022)”.
Esse crescimento pode sinalizar maior diversificação de ocupações exercidas e de serviços prestados por meio de plataformas digitais, o que é corroborado pelo fato de que as plataformas de serviços gerais ou profissionais foram as que mais expandiram no período, apesar de ainda responderem por menos de 1/5 dos trabalhadores plataformizados”, ressalta Gustavo Geaquinto, analista da pesquisa
Mais de 80% homens
A maioria dos trabalhadores plataformizados eram homens (83,9%), em uma proporção muito maior que a média geral dos trabalhadores ocupados no setor privado (58,8%).
Isso tem a ver sobretudo com o perfil ocupacional dos trabalhadores por aplicativo, a maior parte deles exerce a ocupação de condutores no transporte de passageiros ou nos serviços de entrega, ocupações ainda fortemente exercidas por homens”, explica Geaquinto
O grupo de 25 a 39 anos correspondia a quase metade (47,3%) das pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais.
Quanto à escolaridade, os plataformizados concentravam-se nos níveis médio completo ou superior incompleto (59,3%). É a mesma faixa que lidera no total de ocupados no setor privado (44,7%), e entre não plataformizados (44,4%), ainda que com participações menores. Já a população sem instrução e com fundamental incompleto era a menor entre os plataformizados (9,3%), mas correspondia a 21,7% entre os não plataformizados.
Plataformizados trabalham mais horas e têm maior proporção de informalidade
No 3 o trimestre de 2024, o rendimento médio mensal dos trabalhadores plataformizados (R$ 2.996) estava 4,2% maior que o rendimento médio dos não plataformizados (R$ 2.875). No entanto, os trabalhadores plataformizados (R$ 15,4/hora) registraram um rendimento-hora 8,3% inferior ao dos não plataformizados (R$ 16,8/hora), uma vez que sua jornada de trabalho (44,8 horas por semana) era, em média, 5,5 horas mais extensa que a dos não-plataformizados (39,3 horas).
A diferença no rendimento médio mensal diminuiu em relação a 2022, quando era de 9,4% a mais para os trabalhadores plataformizados.
“Ao se comparar os diferenciais de rendimentos entre ocupados plataformizados e os demais ocupados é importante considerar que existem disparidades na composição desses dois grupos quanto ao nível de instrução, assim como em relação às ocupações predominantemente exercidas, especialmente no que se refere à menor proporção, entre os plataformizados, de pessoas sem instrução ou com fundamental incompleto, ou do grupamento de ocupações elementares”, destaca o Geaquinto.
Por nível de instrução, para os dois grupos menos escolarizados, o rendimento médio mensal real das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviço ultrapassava em mais de 40% o rendimento das que não faziam uso dessas ferramentas digitais. Por outro lado, entre as pessoas com o nível superior completo, o rendimento dos plataformizados (R$ 4.263) era 29,8% inferior ao daqueles que não trabalhavam por meio de aplicativos de serviços (R$ 6.072).
Essas diferenças no rendimento médio podem ser explicadas, ao menos parcialmente, pelo perfil ocupacional desses trabalhadores. No caso dos ocupados com curso superior completo, uma parte considerável dos trabalhadores plataformizados exerce ocupações que exigem níveis de qualificação inferiores aos que possuem, como é o caso da ocupação de motorista de aplicativo, enquanto uma menor proporção desses trabalhadores, quando comparados aos não plataformizados, estão inseridos como profissionais das ciências e intelectuais ou como diretores e gerentes, que são grupamentos ocupacionais com maiores rendimentos médios”, explica o analista
Entre 2022 e 2024 houve aumento de 0,7 p.p. no percentual de ocupados no setor privado que contribuíam para a previdência, alcançando 61,5% no último ano. Embora tenham apresentado aumento superior (2,2 p.p), entre os plataformizados, o percentual de contribuintes para previdência ficou muito abaixo do que entre trabalhadores não plataformizados: 35,9% e 61,9%, respectivamente. Ao mesmo tempo, a proporção de trabalhadores plataformizados informais (71,1%) era superior à dos não-plataformizados (43,8%).
Seis em cada 10 entregadores têm nível médio completo
Dos 485 mil trabalhadores plataformizados que utilizaram aplicativos de entrega, 274 mil eram entregadores e 211 mil tinham outras ocupações, ou seja, exploravam o seu próprio negócio em atividades de comércio e de serviços de alimentação e utilizavam tais aplicativos para exercer o trabalho (captar clientes, realizar vendas etc.).
“O perfil dos diferentes trabalhadores – entregadores e outras ocupações – tende a ser distinto, assim como a sua relação com as plataformas de entrega, inclusive no que se refere ao grau de controle ou influência que tais plataformas exerciam sobre o trabalho dessas pessoas”, ressalta Leonardo Quesada, também analista da pesquisa.
Tanto para os entregadores quanto para as demais ocupações, as pessoas com o ensino médio completo e superior incompleto representavam a maior parcela: 59,9% e 53,7%, respectivamente. Para os entregadores, a segunda maior parcela estava entre os com fundamental completo e médio incompleto (28,2%), contra 11,3% entre as outras ocupações. Por outro lado, entre os entregadores, apenas 3,5% tinham o nível superior completo, enquanto entre as demais ocupações, eram 27,7%.
Os dois grupos tiveram uma média muito próxima de horas trabalhadas em 2024: 46,4 horas para os entregadores e 46,5 horas para as outras ocupações. Por outro lado, o rendimento foi bastante distinto entre esses plataformizados que utilizavam aplicativo de entrega: para os entregadores foi de R$ 2.340 e para outras ocupações, R$ 4.615, ou seja, as pessoas que exerciam demais ocupações registraram um rendimento médio quase o dobro do registrado para os entregadores.
Condutores de automóveis plataformizados têm rendimento maior e jornada mais extensa
No 3º tri de 2024, 1,9 milhão de pessoas estavam ocupadas como condutores de automóveis em seu trabalho principal, aumento de 244 mil pessoas em comparação a 2022. Desse total, 43,8% (824 mil pessoas) trabalhavam com aplicativos, enquanto 56,2% (1,1 milhão) não eram plataformizados. A renda dos motoristas plataformizados (R$2.766) era R$ 341 superior à dos motoristas não plataformizados (R$2.425). Essa diferença, em 2022, era de R$ 179.
Já o rendimento/hora era semelhante, R$13,90 para os motoristas de aplicativo e R$ 13,70 para os que não usam aplicativos. Porém, o rendimento-hora médio dos não plataformizados formais (R$ 14,7) era maior do que o dos plataformizados.
Entre 2022 e 2024, o rendimento/hora cresceu entre os plataformizados (+R$1,10) e apresentou queda entre os não plataformizados (-R$0,30).
Por outro lado, os motoristas de aplicativo (45,9 horas) trabalhavam, em média, 5,0 horas a mais por semana em comparação aos demais ocupados como condutores de automóveis (40,9 horas).
Cerca de 56,2% dos condutores de automóveis não plataformizados contribuíam para a previdência. Entre os que utilizavam aplicativos, o percentual de contribuintes era de apenas 25,7%. Já os informais eram 54,8% dos não plataformizados e 83,6% dos plataformizados.
“Os condutores de automóveis plataformizados, se de um lado alcançam maiores rendimentos médios do trabalho, quando comparados aos demais ocupados como motoristas de automóveis, por outro lado registram jornadas de trabalho mais extensas, com elevado grau de informalidade em suas ocupações, culminando em um percentual de cobertura previdenciária significativamente inferior”, resume o analista.
Cerca de 1/3 dos condutores de motocicletas são plataformizados
Quanto aos condutores de motocicletas no trabalho principal (vinculados a qualquer atividade), a PNAD Contínua estimou um contingente de 1,1 milhão em 2024. Deste total, 33,5% (351 mil pessoas) realizavam trabalho por meio de aplicativos, enquanto 66,5% (698 mil) não o faziam, ou seja, cerca de 1/3 dos motociclistas eram plataformizados em 2024, ampliando sua participação frente a 2022, quando representavam cerca de 1/4.
Assim como observado para os motoristas, o rendimento habitual médio dos motociclistas plataformizados (R$2.119) foi maior que o rendimento dos não plataformizados (R$1.653).
Parte dessa diferença pode ser explicada pela perspectiva da jornada de trabalho, visto que os plataformizados, em média, trabalhavam 3,9 horas semanais a mais que os não plataformizados, 45,2 e 41,3, respectivamente.
Ao todo, 36,3% dos motociclistas não plataformizados contribuíam para a previdência, proporção que cai para 21,6% entre os motociclistas plataformizados. No grupo dos não plataformizados, a informalidade foi de 69,3%, 15,0 p.p. menor em relação aos motociclistas que utilizam plataformas digitais (84,3%).
“Os condutores de motocicletas, seja plataformizado ou não, apresentaram níveis de informalidade significativamente elevados, muito acima do observado entre o total de ocupados no setor privado, que era de 44,3%”, destaca Quesada.
A PNAD Contínua investigou a dependência dos trabalhadores por aplicativo em relação às empresas de plataformas digitais e a influência dessas empresas na determinação da jornada de trabalho.
O grau de dependência foi avaliado em alguns aspectos. Em relação ao valor a ser recebido e aos clientes a serem atendidos, destacam-se os aplicativos de transporte de passageiros (exclusive aplicativos de táxi), com grau de dependência de 91,2% e 76,7%, respectivamente. Em relação ao prazo para realização de suas tarefas e forma de recebimento do pagamento, os entregadores em aplicativos de entrega sobressaíram, com percentuais de 70,4% e 76,8%, respectivamente, desses trabalhadores afirmando que o prazo e a forma de recebimento eram determinados pelo aplicativo.
Observa-se que 55,8% dos motoristas de aplicativos (exclusive aplicativo de táxi) e 50,1% dos entregadores tinham a jornada influenciada por meio de incentivos, bônus ou promoções que mudam os preços. Por outro lado, mais de 30% dessas categorias de trabalhadores também relataram o efeito das ameaças de punições e/ou bloqueios realizados pelas plataformas. Entre os motoristas de aplicativos (exclusive aplicativos de táxi), 78,5% relataram que a possibilidade de escolha de dias e horários de forma independente influenciava sua jornada de trabalho.
“Percebe-se que as empresas das plataformas digitais de trabalho com frequência detêm um importante controle sobre a organização e a alocação do trabalho e sobre a remuneração dos trabalhadores”, conclui o analista.
Mais sobre a pesquisa
O módulo experimental da PNAD Contínua: Trabalho por Meio de Plataformas Digitais 2024, disponível no Sidra , abrange o exercício do trabalho por meio de plataformas digitais de serviços, trazendo o perfil sociodemográfico dos trabalhadores plataformizados e algumas características relativas ao seu trabalho, entre as quais a posição na ocupação, os rendimentos médios habituais e as horas médias trabalhadas, além da dependência e influência desses aplicativos em alguns aspectos e na jornada de trabalho. Quatro tipos de plataformas digitais de trabalho foram contemplados: aplicativos de táxi; aplicativos de transporte particular de passageiros (exclusive aplicativo de táxi); aplicativos de entrega de comida, produtos etc.; e aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais.