Niterói, 450 anos: entenda as três datas ‘de fundação’ na bandeira e conheça a história da cidade

Niterói celebra 450 anos nesta quarta-feira (22), mas a fundação da cidade e seu batizado com o nome que conhecemos atualmente não remetem ao ano de 1573, como a data de aniversário pode sugerir.

A divergência entre historiadores sobre a idade da cidade é refletida na própria bandeira oficial do município, que exibe três anos: 1573, 1819 e 1835.

As datas remetem a momentos importantes da região que atualmente é chamada de Niterói, mas que já foi Aldeia de São Lourenço dos Índios; Vila Real da Praia Grande e, por fim, Nictheroy – como a grafia da época determinava. Entenda abaixo.

Segundo o professor de história da Universidade Federal Fluminense (UFF), Paulo Cruz Terra, a ideia de adotar a data mais antiga como a fundação oficial do município só ocorreu em 1909, quando o país já vivia em um regime republicano e tentava se afastar das decisões dos tempos da monarquia e, consequentemente, da dependência de Portugal.

“1573 foi uma escolha bem posterior. A Câmara Municipal de Niterói vai decidir essa data em 1909. Quando o Brasil já tinha deixado de ser um império, passou a ser República e essa decisão tem a ver com isso. É justamente para buscar uma data que, de certa forma, apagasse esse passado da monarquia”, comenta Paulo.

“No caso de Niterói isso vai ocorrer também com a mudança da ideia de criação da cidade, que passa a ser então 22 de novembro de 1573”, acrescenta o professor.

Guerra no Rio impulsiona ‘Niterói’

Para entender como se deu a fundação de Niterói e seus 450 anos de história é preciso retornar ao ano de 1555, um pouco mais de meio século depois da chegada dos primeiros portugueses no Brasil.

Na época, o Rio de Janeiro sofreu com a invasão do exército francês, que ocupou a cidade por, aproximadamente, 15 anos, período conhecido como França Antártica. Contudo, o governo português não queria perder seu território para os franceses e foi buscar reforços para expulsar os invasores.

“O Rio de Janeiro tinha sido invadido pelos franceses, e os portugueses, na intenção de retirar os franceses, eles vão trazer grupos indígenas, como os Temiminós, da região do Espírito Santo. Entre eles, está o Araribóia, que é o cacique da aldeia”, explica Paulo Terra.

“Depois que os portugueses conseguem expulsar os franceses, o Araribóia demanda um pedaço de terra. A doação do pedaço de terra tem a data de 22 de novembro de 1573. E é por isso que se cria essa memória em torno do Araribóia como uma data da fundação (de Niterói)”, explicou o professor da UFF.

Apesar de a data representar a fundação oficial do município, o prêmio de guerra oferecido a Araribóia e sua tribo não é de fato o nascimento de Niterói. Na ocasião, segundo historiadores, foi criada a Aldeia de São Lourenço dos Índios.

Quase 300 anos como aldeia

A região ocupada pelos indígenas permaneceu definida como uma aldeia por quase 300 anos, apesar do relativo desenvolvimento do local. De acordo com os especialistas, a aldeia ficava onde, atualmente, existe o bairro São Lourenço.

Um grande acontecimento histórico mundial acabou sendo determinante para uma transformação na região que viria a ser Niterói.

“A cidade de Niterói vai ter uma transformação muito grande com a vinda da família real portuguesa. Com a invasão de Napoleão em Portugal, ela vem para o Brasil em 1808, e isso causa uma mudança muito grande no Rio de Janeiro”, conta o professor, sobre a chegada da realeza na capital do império.

“Imagina que o Rio passa a ser capital do império português. Isso significou a vinda da família real e de toda a corte. Além disso, também acontece a replicação de todos os órgãos que existia em Portugal. A gente tem um crescimento populacional muito grande (…)”

De acordo com Paulo Terra, a presença de muitos nobres portugueses no Rio de Janeiro provoca um crescimento da aldeia localizada do outro lado da Baia de Guanabara.

Fama antiga

O historiador lembra ainda que a cidade já tinha, naquela época, a fama de oferecer uma boa qualidade de vida aos seus moradores. E é por conta dessa fama que o rei D. João XI decide passar um período por lá.

“O rei Dom João VI perde a sua mãe, D. Maria, em 1816. E logo depois ele é convidado a vir em Niterói para passar um tempo, se recuperar. Ele recebe a doação de um palacete, que fica localizado entre o Ingá e São Domingos”, explica Terra.

A presença da realeza na cidade promoveu uma verdadeira migração diplomática e popular.

“Ele vem passar um mês, mas não vem só com a sua família, mas também com todo o séquito da corte. Lá, o rei vai receber visitas, representações diplomáticas e ele organiza aqui um “beija-mão”, que era uma cerimônia muito cara a monarquia. Era, literalmente, isso que o nome diz. As pessoas vinham e beijavam a mão do rei. Isso quer dizer que muita gente tinha que vir do Rio para beijar a mão do rei em Niterói”, contou.

A aldeia vira vila

A presença do imperador português na região e o fluxo maior de pessoas por lá, fez com que os moradores da então Aldeia de São Lourenço ou povoado de Praia Grande reivindicassem por mais investimentos da coroa portuguesa na região.

“Isso vai marcar muito Niterói, na época Praia Grande, porque isso vai ajudar uma demanda de muitos moradores na época, que é levada ao rei, que é criar uma vila. Vai ser a proposta de tornar Praia Grande independente do Rio de Janeiro. Isso vai ser conseguido em 1819”, lembra o professor.

A data que também está presente na bandeira oficial de Niterói representa a criação da Vila Real da Praia Grande, o que significa uma nova fase para a região.

Nesse momento, “Niterói” deixa de ser dependente das decisões administrativas da cidade do Rio de Janeiro, que nessa época já era capital do império.

“O impacto direto disso é que Niterói passa a ter necessidades que não tinha até então. É criado na região central da cidade, o prédio da Câmara Municipal, a cadeia, uma praça para que os alimentos fossem vendidos. Então, há toda uma preocupação com um projeto urbanístico, justamente para que a cidade ficasse dotadas de equipamentos que não tinha até então”, relembra o historiador.

Finalmente, capital

A Vila Real da Praia Grande não durou muitos anos. Porém, essa não foi uma decisão ruim para os moradores daquele lado da Baia de Guanabara.

Isso porque, 16 anos após a criação da vila, a região foi rebatizada e elevada a condição de capital da província do Rio de Janeiro, em 1835. Naquele momento, surgia Nictheroy, que depois simplificou a grafia para Niterói.

Essa grande mudança ocorreu na sequência de alguns problemas enfrentados pelo império português. A partir de 1831, Portugal entra no Período Regencial, quando o imperador D. Pedro I abdica do trono em favor de seu filho, D. Pedro II, que na época tinha apenas 5 anos de idade.

“O que impacta muito em Niterói é que em 1834 é feito um ato adicional para constituição de 1824, que cria o município neutro. Então o Rio de Janeiro (município neutro) deixa de ser capital e é necessário escolher uma nova capital”, explica Paulo Terra.

“Há uma disputa com Itaboraí, mas Niterói acaba vencendo e, em 1835, Niterói passa a ser a capital do Rio de Janeiro”, completa o professor.

A mudança representa mais investimentos e novos planos para a agora capital do Rio de Janeiro. A principal novidade foi a criação do serviço regular do transporte por barcas a vapor entre o Rio e Niterói.

Com capacidade para levar cerca de 200 pessoas, a barca viajava de hora em hora, das 6h da manhã às 18h da tarde, fazendo a travessia em 30 minutos. Uma grande evolução.

Da República à modernidade

Se na época da cidade como capital da província do Rio de Janeiro, os moradores puderam conhecer alguns avanços importantes, a grande transformação de Niterói aconteceu com a queda do império e o surgimento da República Federativa do Brasil.

Poucos anos depois da Proclamação da República em 1889, Niterói passou a viver uma nova Era de realizações, como a inauguração do Centro Cívico, a polícia, o Palácio da Justiça, a Assembleia Legislativa, que atualmente é sede da Câmara Municipal e a abertura da Avenida Ernani Amaral Peixoto.

“O início da República também vai ser muito importante nesse sentido. (…) A gente tem todo um processo de urbanização do centro da cidade (…) você tem todo um processo de urbanização que é feito no início do século 20, que vai dar uma cara da Niterói que temos hoje em dia”, relembra Terra.

MAC como símbolo de orgulho

Na opinião do historiador Paulo Terra, apesar das grandes mudanças estruturais e dos anos como capital da província e depois do estado, Niterói sempre foi ofuscada pelo Rio de Janeiro.

O professor acredita que a força política da cidade vizinha e suas belezas naturais escondiam as atrações do município.

“Apesar de ser uma capital da província e depois do estado do Rio de Janeiro, Niterói foi sempre uma capital acanhada. Acho que a proximidade do Rio impactou nisso, não só por ter uma intervenção política, mas o Rio sempre eclipsou a importância de Niterói”, disse.

Para ele, apesar da importância no aspecto da mobilidade, obras como a construção da Ponte Rio-Niterói, realizada durante a ditadura cívico-militar, com grandes escândalos de corrupção e até pela quantidade de trabalhadores mortos, não elevava a moral dos moradores de Niterói.

Porém, na opinião do professor, a inauguração do Museu de Arte Contemporânea (MAC), em 1996, foi um divisor de águas.

“Isso vai mudar um pouco nos anos 90. E um impacto importante é pelo investimento da cidade na qualidade de vida e também da dotação de equipamentos urbanos. O MAC tem um papel importante nisso”, comentou Paulo.

Apesar de amado por 10 entre 10 niteroienses, e projeto pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o MAC enfrentou forte resistência de uma parte dos moradores da cidade antes de sua construção, como relembrou o historiador.

“Na época da construção, houve uma resistência por parte de alguns moradores porque ali foi um espaço de socialização dos moradores muito importante. As pessoas iam no final da tarde comer um lanche ou a noite para namorar. Então, era um espaço que fazia parte do cotidiano ao longo de muito tempo. Mas, depois que foi construído, acho que o MAC de certa forma mimetizou o que era ser Niterói. Trouxe um orgulho para os niteroienses. Hoje em dia é difícil imaginar aquele local sem o MAC.”

“O MAC de certa forma serve como uma mudança nessa chave e traz um orgulho para as pessoas que aqui moram. Ele acabou virando o símbolo da cidade”, completou Paulo Terra.

O professor da UFF destaca também a importância das obras de Niemeyer na cidade como parte dessa transformação. Segundo ele, o município passou a fazer parte do roteiro de quem visitava o Rio.

“Não só o MAC, mas todo o conjunto arquitetônico ligado ao Oscar Niemeyer, ele vai servir não só para esse fator de orgulho, mas também vai trazer uma importância para Niterói nacional e internacional. É um conjunto arquitetônico muito valorizado e o próprio MAC é tido como uma entre as mais belas construções do Niemeyer. O MAC vai colocar Niterói como um ponto turístico a ser visitado.”

Caminho Niemeyer

Atualmente, Niterói conta com o Caminho Niemeyer, um conjunto de equipamentos e um centro cultural de grande valor arquitetônico, nos bairros do litoral da cidade.

O complexo de obras se estende por 11 km, ao longo da orla, desde a Praça do Povo, no Centro de Niterói, até a Estação do Catamarã, em Charitas.

Fazem parte do caminho Niemeyer:

  • Fundação Oscar Niemeyer
  • Memorial Roberto Silveira
  • Teatro Popular Oscar Niemeyer
  • Praça Juscelino Kubitschek
  • Reserva cultural
  • Museu de Arte Contemporânea – MAC
  • Estação Catamarã de Charitas

Aplicativo para incentivar o turismo

A comemoração pelo passado de Niterói também está movimentando uma das instituições mais importantes do município, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFF).

Em parceria com a Fundação Euclides da Cunha e a Prefeitura de Niterói, o departamento de História da UFF está em fase final de desenvolvimento de um aplicativo que promete resgatar a história do município.

A proposta que está sendo desenvolvida foi batizada de “Cidadania Turismo e Educação através da história de Niterói”. A ideia é ter um aplicativo e um site para incentivar o turismo na cidade, trazendo roteiros pré-definidos e muita informação. Além disso, o projeto também espera revelar a ligação emocional dos moradores com determinados pontos famosos da cidade.

“O intuito do projeto é criar plataformas digitais para incentivar o turismo histórico e de memória da cidade de Niterói”, explicou a coordenadora e professora do Departamento de História da UFF, Karoline Carula.

O aplicativo também vai possibilitar que as pessoas interajam com os espaços históricos da cidade. A ideia é produzir uma memória afetiva sobre o passado e sobre os fatos recentes, desenvolvendo o sentido social de pertencimento. Além de valorizar a história, o projeto pretende estimular o turismo de memória.

“O projeto vai ter quatro circuitos, com temáticas diversas. A pessoa vai poder acessar esse aplicativo ou o site antes de vir ou na hora, em um dos pontos selecionados, através dos QRcode. Vamos trazer informações históricas sobre os espaços, pontos interessantes no decorrer da história, documentos históricos, fotografias da região em temporalidades diversas, além de um texto informativo para cada um dos pontos”, explicou Carula.

Com lançamento previsto para o próximo ano, os profissionais também esperam que as entrevistas feitas com moradores para o aplicativo possam virar um filme curta-metragem e um livro sobre o projeto.

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