Lula enaltece democracia, revoga atos de Bolsonaro e oscila entre união e polarização

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 77, e Geraldo Alckmin (PSB), 70, assumiram os cargos de presidente e vice-presidente da República, respectivamente, neste domingo (1º), após quatro anos de uma gestão Jair Bolsonaro (PL) marcada por tensões, polarização e ataques à democracia que se estenderam até a posse do novo governo.

Com Brasília tomada por milhares de apoiadores e após semanas de preocupação com a segurança, Lula recebeu à tarde a faixa de um grupo plural de cidadãos devido à recusa de Bolsonaro de entregá-la ao sucessor, rompendo uma tradição democrática.

ex-presidente viajou aos EUA na última sexta (30) e passou a virada de ano por lá.

Lula assumiu a Presidência pela terceira vez, eleito com 50,9% dos votos válidos no segundo turno, contra 49,1% de Bolsonaro. Foi a primeira vez que um presidente perdeu a disputa pela reeleição no país.

Logo de cara, Lula revogou uma série de atos de Bolsonaro —entre outras, medidas sobre armas e na área ambiental, além da determinação para que a CGU (Controladoria-Geral da União) reavalie em 30 dias os sigilos decretados pelo antecessor.

Em seus discursos, Lula criticou a herança deixada por Bolsonaro, afirmou que a situação do país é estarrecedora, enalteceu a democracia e a atuação do Judiciário no processo eleitoral e oscilou entre a união nacional e a polarização.

De um lado, repetiu a promessa de governar para todos os brasileiros, não só para seus eleitores, e descartou revanchismo.

De outro, fez duras críticas à gestão Bolsonaro (usou palavras como “devastação”, “desmonte” e “destruição”) e atacou “a minoria violenta e antidemocrática” que “tentava censurar nossas cores e se apropriar do verde-amarelo”.

Lula também disse que não abrirá mão de responsabilizações: “Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei. Quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal”.

Em seu segundo discurso, no parlatório, apoiadores do petista gritaram “sem anistia” após Lula ler trecho de um relatório produzido pela equipe de transição com um diagnóstico do país sob Bolsonaro.

No final da tarde, Lula assinou um pacote de medidas sobre esse e outros temas.

No controle de armas, por exemplo, suspendeu a autorização de novos clubes de tiro até uma nova regulamentação, além do registro de novas armas de uso restrito de CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores).

No combate ao desmatamento, reestabeleceu o Fundo Amazônia, alimentado por doações internacionais e que foi inviabilizado pelo governo Bolsonaro.

Mais cedo, quando começaram as solenidades formais de posse, Lula foi recebido no Congresso pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Pacheco pediu um minuto de silêncio a Pelé, que morreu na semana passada, e ao papa emérito Bento 16, que morreu no sábado (31).

O petista e Alckmin inauguraram o terceiro volume do livro escrito à mão que reúne, desde 1891, os termos de posse presidencial. Ovacionado no plenário da Câmara aos gritos de “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”, o petista disse usar a caneta que ganhou de uma pessoa no Piauí em 1989.

Em seu primeiro discurso, Lula afirmou que a democracia venceu as eleições e defendeu o sistema eletrônico de votação, após um pleito marcado por ataques de Bolsonaro.

“Se estamos aqui hoje é graças à consciência política da sociedade brasileira e à frente democrática que formamos ao longo dessa histórica campanha eleitoral. Foi a democracia a grande vitoriosa nesta eleição”, declarou o presidente.

Lula fez um agradecimento ao que chamou de “atitude corajosa do Poder Judiciário, especialmente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)“. Também anunciou a revogação de decreto de armas e munições, atingindo assim uma das principais bandeiras de Bolsonaro.

“Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer mais armas; quer paz e segurança para seu povo.”

Assim como fez após vencer as eleições, em 30 de outubro, Lula disse que enfrentou na campanha “a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu”.

Afirmou também que enfrentou “a mais objeta campanha de mentiras e ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado brasileiro” e que “nunca os recursos do Estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto autoritário de poder”.

Ao citar a pandemia da Covid-19, classificou a resposta do governo Bolsonaro à crise sanitária como criminosa, obscurantista, negacionista e insensível à vida.

Lula lembrou seu primeiro discurso de posse, em 2003, quando colocou o combate à fome como uma das prioridades do governo que começava naquele ano.

“Ter de repetir esse compromisso no dia de hoje, diante do avanço da miséria e do regresso da fome que havíamos superado, é o mais grave sintoma da devastação que se impôs ao pais nos anos recentes”, discursou.

O presidente também defendeu em seu discurso a responsabilização pelo que chamou de genocídio durante a pandemia e pelo que definiu como atos de terror e violência.

“O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia. Ao ódio responderemos com amor. À mentira, com a verdade. Ao terror e à violência responderemos com a lei e suas mais duras consequências”, disse.

O período de transição teve episódios de violência. Horas após a diplomação de Lula em Brasília, um grupo de bolsonaristas tentou invadir o prédio da Polícia Federal —para onde um apoiador do ex-presidente havia sido levado após ordem judicial— e promoveu atos de vandalismo pelas ruas da capital., ateando fogo em carros e ônibus.

Dias depois, as autoridades encontraram um explosivo em um caminhão nas imediações do aeroporto de Brasília.

A bomba foi instalada por um bolsonarista que, em depoimento, disse acreditar que as explosões dariam início ao caos que levaria à decretação do estado de sítio no país —o que poderia, segundo ele, provocar a intervenção das Forças Armadas.

Na economia, o presidente fez um discurso fortemente voltado à participação das instituições de Estado no desenvolvimento do país, inclusive por meio das empresas públicas, e disse que uma nova legislação trabalhista será formulada.

“Vamos dialogar, de forma tripartite —governo, centrais sindicais e empresariais—, sobre uma nova legislação trabalhista. Garantir a liberdade de empreender, ao lado da proteção social, é um grande desafio nos tempos de hoje”, disse.

Lula chamou o teto de gastos de estupidez, lembrando que ele será revogado. Defendeu ainda a recomposição de verbas para áreas como saúde e educação, pregando investimentos em mais universidades, ensino técnico, universalização do acesso à internet, ampliação das creches e ensino público em tempo integral.

Lula, em seu discurso, também fez questão de ressaltar que foi apoiado por uma frente democrática para “impedir o retorno do autoritarismo ao país”.

“Sob os ventos da redemocratização, dizíamos: ditadura nunca mais! Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer: democracia para sempre!”, finalizou.

Depois de ser empossado no Congresso e receber a faixa presidencial, Lula falou no parlatório do Palácio do Planalto para milhares de apoiadores concentrados na Praça dos Três Poderes.

Ele defendeu a união social e acenou aos eleitores que votaram em Bolsonaro.

“Quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância”, declarou.

Durante discurso, Lula chorou ao falar sobre desempregados que pedem ajuda em semáforos ou buscam restos de comida em açougues. Ele foi ovacionado no parlatório, sob gritos de “Lula guerreiro do povo brasileiro”.

Depois de pregar a união, Lula criticou o que chamou de “minoria radicalizada que se recusa a viver num regime democrático”, numa referência a apoiadores radicais que acamparam em frente a quartéis militares para pedir um golpe das Forças Armadas contra a posse do petista.

Diferentemente da declaração no Congresso, de caráter mais institucional, Lula fez uma fala voltada à população e à militância. Nesse sentido, ele se referiu ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como um “golpe” —termo não usado por ele no Legislativo.

O presidente colocou como meta o combate à desigualdade. “Esta será a grande marca do nosso governo.” Ele convocou a população a se juntar em um “mutirão contra a desigualdade”.

“É urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a desigualdade, que envolva a sociedade como um todo”, disse.

Lula ainda afirmou que a população deve estar sempre pronta para reagir, “em paz e em ordem”, a ataques contra a democracia.

“Usaremos as armas que nossos adversários mais temem: a verdade, que se sobrepôs à mentira, a esperança, que venceu o medo, e o amor, que derrotou o ódio”, disse Lula.

Já tarde da noite no mesmo dia, Lula subiu em um dos palcos montados na Esplanada dos Ministérios, onde aconteciam os shows da posse. Estava acompanhado da primeira-dama Janja, de Geraldo Alckmin e de Lu Alckmin.

O presidente fez um breve discurso, citando que teria 17 encontros com chefes de Estado no dia seguinte. Dedicou a maior parte da sua fala para agradecer o apoio que teve durante as eleições e também para enaltecer o papel das mulheres. Voltou a falar que vai garantir igualdade salarial entre homens e mulheres.

“É por isso que eu voltei a ser candidato a presidente, porque eu quero cuidar de cada criança, de cada mulher, de cada homem, de cada idoso para provar que é possível a gente viver bem nesse país”, afirmou Lula.

“Do fundo do coração, obrigado, meu Deus, por permitir que essa gente tão maravilhosa e tão corajosa, esteja aqui. Sobretudo as queridas companheiras mulheres, se preparem, se preparem, porque uma das nossas conquistas será a gente garantir que a mulher tem o direito de ganhar o mesmo salário quando ela fizer a mesma função do homem. Temos que garantir que a mulher tem que fazer política e que decidir o destino desse país. E a mulher tem e pode estar onde ela quiser, da forma que bem entender”, completou.

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