Dois moradores desvendam os mistérios do ícone Copan, em SP, para o Censo do IGBE
O síndico é chamado de “prefeito”, tamanha a complexidade deste condomínio em que moram e circulam mais pessoas do que em algumas cidades brasileiras. Não se sabe quantos moradores vivem ali: fala-se em 5 mil, número tido como superestimado, mas só o Censo do IBGE, que acaba de ser encerrado por lá — com algumas surpresas — , poderá dizer ao certo.
O Edifício Copan, no coração do Centro de São Paulo, é mais que um ícone da cidade, sobre o qual se debruçam recenseadores ávidos por informações. O lugar é um pedacinho de Brasil. Com seis blocos e 1.160 apartamentos, de quitinetes de 30 m2 a apartamentos de cerca de 150 m2, reúne uma miríade de gente, de dentro e de fora do país, trabalhadores e empresários, jovens ou anciãos que guardam o passado da capital, de todas as classes sociais e orientações sexuais.
Quando Oscar Niemeyer idealizou as formas onduladas, que lhe renderam o apelido de Minhoca por seu aspecto em “S”, São Paulo era outra. A construção seria uma ode ao quarto centenário da cidade em incessante crescimento, mas uma série de mudanças fez com que sua construção se desdobrasse de 1952 a 1966. Se no início os moradores eram filhos de fazendeiros, muitos estudantes de arquitetura, depois, novos personagens surgiram, vindos da cena policial e do underground.
As portarias de cada bloco do Copan, cujo acesso se dá por uma galeria com 72 lojas, abrem os braços para uma miscelânea eclética e democrática.
— Aqui parecia um cortiço — lembra a cabeleireira paranaense Marlene de Paula Martins, de 61 anos, que mora no Copan há 14 anos e trabalha na galeria há 33. — Hoje há mais famílias, estrangeiros. As pessoas têm loucura por isso aqui. É um cartão-postal da cidade.
Talvez tenha sido no Copan que Niemeyer pensou ao se descrever, pelo contraste perfeito do prédio com a paisagem de São Paulo, em meio à dureza da Avenida Ipiranga: “Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível… o que me atrai é uma curva livre e sensual”.
Universo paralelo
Mergulhar no universo do Copan é um desafio instigante. Dois recenseadores, que também são moradores, ficaram incumbidos de decifrá-lo. A missão é de Antonio José Pinheiro Lima, de 63 anos, que vive ali com a esposa há seis anos, e de Sergio Ricardo Picinini, de 57 anos, morador pela segunda vez depois de uma breve temporada fora. Na primeira “encarnação”, ele dividiu o imóvel com um amigo no bloco das quitinetes, o mais descolado no passado, por atrair artistas e roqueiros, entre outros frequentadores cults.
— Isso aqui é o retrato do Brasil — define Picinini, que é do interior do estado.
Por um mês e meio, ele e Lima ficaram numa mesa no meio da galeria para entrevistar os moradores. Se não vinham, os dois iam até eles. Tendo os porteiros como aliados, chegaram a se aboletar nas portarias de plantão.
— É difícil conhecer todos os vizinhos, tem muita gente. Alguns se recusaram a falar. Mas vimos um perfil do prédio que não sabíamos — diz Antonio, lembrando quando apreciava o imponente Copan, maior condomínio residencial da América Latina, durante antigos passeios com os pais a um cinema na Praça da República.
Temporada é sucesso
Entre as surpresas, os recenseadores descobriram que uma geração jovem foi se juntar à mais antiga, que há décadas investiu naqueles imóveis. Outra curiosidade foi o alto número de entrevistados que respondeu viver em união com uma pessoa do mesmo sexo. Uma moradora, mulher trans, inicialmente com receio de responder o questionário à vista dos vizinhos, pediu para que fossem até seu apartamento.
Assim como em outras cidades brasileiras, a política atravessou a coleta de dados, às vezes, de forma hostil. Coordenador de divulgação do Censo em São Paulo, Wagner Silveira dá o segredo que reduziu atritos e aumentou a adesão ao questionário:
— O desafio é criar boa comunicação tanto com síndicos e porteiros quanto com moradores.
Chamou a atenção ainda o fato de mais de cem imóveis serem alugados via plataformas como Airbnb, o que indica uma população menor do que se imaginava. Os dados serão compilados pelo IBGE.
A crise saltou aos olhos. Entre pilhas de papéis e planilhas, o “prefeito” do Copan, Affonso Celso Prazeres de Oliveira, de 83 anos, entretanto, já a pressentia no endereço.
— Muita gente perdeu o emprego na pandemia — diz.
“Seu” Affonso comanda o prédio há 30 anos, mora ali há mais tempo ainda e desfruta do prestígio de poucos políticos: é atribuída a ele a façanha de tirar o Copan da crônica policial. Em um escritório com uma fotografia de São Paulo ao fundo, ele se emociona e conta ter fascínio pelo prédio.
— O Rio tem o Cristo Redentor, São Paulo tem o Copan — compara ele, que é carioca. — Estamos lutando para restaurar a fachada, e planejamos fazer um museu no terraço.
O Copan nasceu para ser uma espécie de Rockefeller Center, e não à toa esta mística ronda seus adoradores. Há 30 anos, o estilista pernambucano Walério Araújo, de 52 anos, foi para seu paraíso particular encravado no coração da metrópole.
— Aqui é uma mistura de gente, línguas e gêneros. Me sinto em Nova York — brinca.
A cobertura bem poderia ser comparada a um dos rooftops de NY. De seus 32 andares e 110 metros, é possível avistar a Catedral da Sé, o Minhocão, o Sambódromo do Anhembi, a Estação da Luz e o pico do Jaraguá. Mas as visitas foram interrompidas desde a pandemia.